Non Somnia, projeto espanhol ainda relativamente oculto nos subterrâneos da música extrema atmosférica, entrega com Liquid Shadows um trabalho maduro, coeso e devastadoramente emocional. Posicionado na interseção entre o blackgaze, o post-metal e o shoegaze etéreo, o álbum é uma verdadeira tapeçaria sonora de melancolia líquida, como o próprio nome sugere — sombras em estado fluido, que se infiltram por cada fresta da alma do ouvinte.
1. “Echoes in Silence” – 13:56
O álbum se inicia com uma longa jornada de quase 14 minutos, onde o silêncio se torna personagem tanto quanto os instrumentos. “Echoes in Silence” é uma construção paciente, com camadas de guitarras limpas reverberando como se ecoassem num abismo emocional. O início é minimalista e contemplativo, como uma madrugada sem fim, mas aos poucos a tensão cresce com a entrada de distorções densas, vocalizações distantes e batidas tribais que remetem a uma dor ancestral. Não há pressa; Non Somnia nos convida a mergulhar fundo. A estrutura é não linear, quase cinematográfica, e cada momento parece carregado de significados ocultos.
2. “Shattered Horizons” – 12:20
A segunda faixa talvez seja o verdadeiro coração pulsante do disco. “Shattered Horizons” é uma colisão entre beleza e ruína. O título (“Horizontes despedaçados”) já entrega parte do espírito da música: uma paisagem sonora que evoca a sensação de estar preso entre o passado e o futuro, entre lembranças que se dissolvem e possibilidades que nunca se concretizaram. A faixa alterna momentos de intensa delicadeza com explosões de distorção e desespero, em vocais gritados quase soterrados pela instrumentação. Há algo de catártico aqui — como se fosse possível expurgar o peso do mundo com a força de acordes quebrados.
3. “Fogbound Lament” – 5:56
Mais curta, mas não menos impactante, “Fogbound Lament” funciona como um interlúdio fantasmagórico. Quase instrumental, esta faixa soa como uma oração murmurada em meio à neblina. O lamento do título se manifesta nos arranjos etéreos de teclado e nas texturas de guitarra que lembram choros abafados por camadas de nevoeiro. É uma faixa que demonstra a sensibilidade ambiental do Non Somnia — aqui, mais do que nunca, a música é espaço, é clima, é atmosfera. O ouvinte não apenas escuta: ele caminha dentro da música.
4. “Nights” – 10:30
Fechando o álbum, “Nights” é uma faixa noturna em todos os sentidos. Seu início evoca o sentimento de se estar sozinho, olhando para um céu carregado, onde estrelas são apenas memórias distantes. A progressão lenta vai revelando um crescendo emocional intenso, culminando em passagens pesadas, quase doom, mas sem abandonar o lirismo que permeia todo o disco. Os vocais aqui ganham um tom ainda mais emotivo, quase desesperado, como se o compositor estivesse tentando dizer algo que já não pode mais ser dito em palavras. “Nights” é um encerramento perfeito — não oferece respostas, apenas a contemplação melancólica de tudo que foi sentido.
Liquid Shadows é um álbum profundamente imersivo. Ele não busca impressionar pela técnica ou por agressividade bruta, como fazem muitas obras dentro do black metal. Ao contrário, sua força está na sutileza, na construção de atmosferas, no controle do silêncio e no uso da dinâmica como expressão emocional. Non Somnia cria paisagens sonoras que não pertencem a este mundo — e, no entanto, falam diretamente à nossa realidade interior.
A produção é crua, mas intencional. Os vocais muitas vezes parecem distantes, misturados à parede de som — uma escolha que contribui para o clima onírico e introspectivo do trabalho. Não se trata de um álbum fácil. É uma obra que exige tempo, escuta atenta e entrega emocional. Mas para quem aceita esse convite à travessia interior, Liquid Shadows oferece uma das experiências mais ricas e tocantes do blackgaze contemporâneo.
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