Faye é responsável por todos os aspectos do projeto composição, gravação, produção, execução de todos os instrumentos e vocais. Essa autonomia criativa confere ao som de Harifa uma coerência profunda e uma estética marcada pelo controle absoluto da artista sobre sua visão. O resultado é um trabalho de black metal atmosférico que se recusa a seguir fórmulas, preferindo construir atmosferas lentas, melancólicas e imersivas.
O EP Withering Woods carrega em si uma forte identidade visual e sonora. A produção deliberadamente lo-fi remete ao espírito das gravações dos anos 90, mas sem parecer datada. Pelo contrário há um frescor sombrio no modo como as camadas sonoras se entrelaçam, criando paisagens que evocam isolamento, vastidão e uma espiritualidade naturalista. As guitarras são ora cortantes, ora etéreas, os vocais surgem como lamentos à distância, quase espectrais, e os ritmos oscilam entre o hipnótico e o brutal.
A presença de Faye Davis nas redes sociais é mínima, o que reforça o mistério em torno da figura por trás de Harifa. Ainda assim, em breves aparições e interações, ela deixa entrever um comprometimento quase ritualístico com sua arte algo que vai além da música, tocando também o campo do existencial e do simbólico. Há em sua postura uma recusa consciente do espetáculo e da busca por visibilidade, como se o projeto existisse para si mesmo, como um espelho invertido de mundos internos que a maioria das pessoas prefere não visitar.
A faixa bônus “The Calling”, presente na versão física limitada do EP, amplia ainda mais o universo deHarifa, trazendo uma atmosfera mais expansiva e um senso de encerramento que, paradoxalmente, convida ao recomeço. Essa dualidade entre fim e início, entre presença e ausência, é recorrente na obra de Faye, e parece ser um dos eixos conceituais de sua criação.
Liricamente, Harifa explora temas como o esgotamento espiritual, a decadência natural, a comunhão com o silêncio e o ciclo inevitável de morte e renascimento. Faye escreve de forma simbólica, utilizando imagens naturais florestas, névoas, raízes como metáforas de estados emocionais e psíquicos. Suas letras não são panfletárias nem explícitas; elas evocam em vez de afirmar, sugerem em vez de declarar.
O que chama atenção, no entanto, não é apenas a profundidade dos temas abordados, mas a maneira como eles são apresentados com honestidade e sem concessões. Harifa não busca agradar ou pertencer. É um projeto que se mantém íntegro em sua proposta, mesmo que isso signifique ficar à margem. Essa autenticidade, tão rara em um mundo saturado de estratégias, confere ao trabalho de Faye um brilho sombrio — como um farol solitário aceso no meio da névoa.
Ainda é cedo para prever o rumo que Harifa tomará, mas Withering Woods estabelece uma base sólida e cheia de potencial. O EP é ao mesmo tempo uma introdução e uma declaração, uma abertura para um caminho que pode se expandir para territórios ainda mais densos e complexos. A expectativa natural é por novos lançamentos e, quem sabe, futuras apresentações ao vivo, mas também permanece a dúvida se Faye optará por manter a reclusão como parte de sua estética. Há algo profundamente coerente nisso a ideia de que algumas músicas não foram feitas para os palcos, mas para ecoar em cavernas internas que só se revelam quando estamos sozinhos, em silêncio, abertos ao que o som tem a dizer quando estamos dispostos a escutar o que existe nas margens do audível, naquilo que vibra entre o que é dito e o que é sentido. É nesse espaço rarefeito que Faye Davis parece habitar artisticamente e seu segundo lançamento, When the Leaves Fall, I'll Be Near, só aprofunda essa sensação de comunhão com o invisível.Lançado meses após Withering Woods, o álbum When the Leaves Fall, I'll Be Near marca uma evolução notável na proposta estética de Harifa. Ainda fiel à sua abordagem lo-fi, Faye conduz o ouvinte por paisagens ainda mais introspectivas, frias e devastadoramente belas. O título por si só já sugere uma presença fantasmática, uma promessa de retorno entre as folhas secas do outono estação que, no imaginário poético da artista, representa transformação, perda e silêncio fértil.
Musicalmente, o álbum mantém as raízes atmosféricas do projeto, mas explora novas texturas e nuances emocionais. Há um peso emocional mais diluído, não pela ausência de intensidade, mas por uma sutileza ainda maior na forma de transmiti-la. As guitarras parecem se desmanchar no ar, os vocais surgem como sussurros distantes, e a percussão é usada com parcimônia, criando espaço para que o tempo se alongue entre as notas.
Faye Davis demonstra aqui uma sensibilidade ainda mais refinada, quase cinematográfica. Cada faixa parece parte de uma única narrativa melancólica, como capítulos de um diário íntimo escrito sob névoa. A instrumentação, embora minimalista, é rica em camadas emocionais. Violões acústicos aparecem discretamente em algumas passagens, adicionando um toque pastoral ao clima geral de desolação.As letras continuam envoltas em simbolismo natural agora com uma presença ainda mais marcante da
vegetação, da terra úmida, das sombras projetadas pela luz oblíqua de fins de tarde. Faye não escreve para explicar, mas para abrir brechas. A escuta de suas composições não é passiva; exige entrega, exige tempo. É música feita para quem caminha sozinho, para quem encontra consolo no som das folhas caindo, para quem vê beleza no fim das estações.
Com When the Leaves Fall, I'll Be Near, Harifa confirma que não se trata de uma promessa passageira ou de um experimento isolado. Faye Davis constrói aqui um universo coeso, com linguagem própria, onde cada ruído, cada silêncio e cada distorção serve a um propósito maior. O álbum não oferece catarse nem redenção fácil ele propõe a permanência no limiar, o confronto com o vazio, a contemplação do que se desfaz.
Há faixas que funcionam como pontos de ancoragem emocional, como “Ashen Fields” e “Among the Hollow Pines”, nas quais a melodia se torna um fio tênue que guia o ouvinte por trilhas encobertas de saudade. Outras, como “Stillness in Amber Light”, dissolvem qualquer forma em ambiente, criando um tipo de som que parece criado não para ser escutado, mas para ser habitado. “Stillness in Amber Light” encerra o álbum com uma longa paisagem sonora onde os instrumentos quase desaparecem, substituídos por camadas de ruído ambiente, vozes distantes e uma sensação de suspensão no tempo. É como se a música deixasse de ser música no sentido tradicional, tornando-se uma extensão do silêncio aquele mesmo silêncio que permeia os espaços vazios entre as palavras de Faye Davis.
Com When the Leaves Fall, I'll Be Near, Harifa alcança uma maturidade artística rara para um segundo trabalho. Faye se recusa a repetir fórmulas ou a ceder às pressões de uma cena que muitas vezes exige contundência e velocidade. Em vez disso, ela aprofunda a linguagem que começou a construir em Withering Woods, explorando não apenas a escuridão, mas os tons suaves e tênues que existem dentro dela as sutilezas do outono, o eco das memórias, a presença invisível de quem parte, mas não se vai por completo.
Este álbum é um testamento da força da delicadeza, do poder do sussurro em meio ao ruído. É uma obra que não busca aplauso, mas reverberação íntima. Faye Davis, como Harifa, se firma não apenas como uma artista do black metal, mas como uma compositora de atmosferas, de espaços emocionais, de limiares.
Faye Davis adota uma abordagem DIY (faça você mesmo), assumindo o controle total de sua produção musical. Essa independência artística permite que ela explore livremente suas ideias e mantenha uma coerência estética em seu trabalho. A produção do EP Withering Woods segue uma estética Depressive Black Metal , reforçando o espírito underground da obra e conferindo uma textura orgânica às músicas .
Além de sua atuação musical, Faye mantém uma presença discreta nas redes sociais, preferindo deixar que sua arte fale por si. Essa postura reforça a autenticidade de sua proposta e contribui para o misticismo que envolve seu trabalho. Em sua conta no TikTok (@hxrifa), ela compartilha trechos de suas músicas e insights sobre o processo criativo, oferecendo aos fãs um vislumbre de sua jornada artística . A expectativa agora é para futuras apresentações ao vivo e novos lançamentos que possam expandir ainda mais o universo sonoro que Faye começou a construir com este EP de estreia. Seu trabalho é uma adição bem-vinda e revigorante ao panorama musical atual, especialmente para aqueles que buscam autenticidade e profundidade em suas experiências auditivas.
À medida que Faye Davis continua a desenvolver sua identidade artística, é interessante observar como ela equilibrará as influências tradicionais do black metal com suas próprias experiências e perspectivas. Esse equilíbrio pode resultar em uma evolução sonora que mantenha a essência do gênero enquanto explora novas direções criativas.
Além disso, a recepção crítica e o apoio dos fãs serão fatores determinantes para o crescimento de sua carreira. Se conseguir manter a qualidade e a autenticidade demonstradas em Withering Woods, Faye tem o potencial de se tornar uma figura influente no cenário do metal extremo.
Em um momento em que a música independente ganha cada vez mais espaço, artistas como Faye Davis exemplificam o poder da expressão pessoal e da dedicação ao ofício. Sua jornada está apenas começando, e será fascinante acompanhar os desdobramentos de sua trajetória artística nos próximos anos.
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