sexta-feira, 16 de maio de 2025

HellLight - We the Dead (Full Album 2025)

 



Em We, the Dead, o nono opus do HellLight, o funeral doom brasileiro encontra um novo abismo em que afundar. Lançado em 2025 na Bélgica pelo selo Meuse Music Records e distribuído no Brasil pelos selos Mutilation Records e Cold Art Industry, o disco é uma monumental elegia à decadência da alma um monólito sonoro que ecoa com a lentidão de um cortejo fúnebre através de cemitérios esquecidos pelo tempo.

São sete faixas que totalizam quase 80 minutos de um sofrimento orquestrado com precisão cirúrgica. Guitarras densas como a terra de um túmulo recém-aberto, teclados que ressoam como lamentos de fantasmas antigos, e vocais guturais que mais parecem brotar de algum lugar entre o peito e o abismo. A produção, assinada pela própria banda no Doom Inc. Studios, mantém o som com um pé na catedral e outro na cripta, revelando camadas de dor que não se mostram de imediato  elas se insinuam, lentamente, como uma febre que não passa.

A presença de Heike Langhans em “As Daylight Fades” adiciona uma névoa etérea ao lamento  como se
a própria morte ganhasse voz feminina para sussurrar sua chegada. A arte da capa, concebida por Rodrigo Bueno, já antecipa o que está por vir: figuras encapuzadas rodeando uma árvore morta, em um ritual que parece nunca ter fim um ciclo sombrio que ecoa o próprio título do álbum: nós, os mortos.

Há algo de litúrgico em We, the Dead. Cada faixa é uma oferenda, uma confissão de dor deixada no altar da existência. Não há pressa. O tempo aqui se dissolve, se arrasta, como se as horas tivessem perdido o rumo. É um álbum que não se ouve: nele se entra. E, uma vez dentro, a saída se torna apenas um rumor distante. A beleza que habita essas composições não é a que brilha é a que corrói. E quanto mais se ouve, mais o mundo exterior parece perder sentido, cor, forma...

Porque talvez, no fundo, sejamos mesmo apenas ecos de um passado morto, sombras caminhando entre escombros que insistimos em chamar de vida. Talvez este álbum seja o espelho que se recusa a refletir a luz, e, ao encará-lo, percebamos algo que sempre esteve ali, nos observando das frestas mais escuras da consciência...

Um sussurro antigo que agora ganha corpo, forma e som nas camadas imersivas de We, the Dead. Há um peso existencial em cada nota arrastada, um aviso enterrado sob os riffs que reverberam como badalos de um sino que nunca para de tocar. O HellLight não apenas compõe música  eles erguem monumentos de agonia, catedrais de silêncio onde o luto é o idioma sagrado.

As atmosferas criadas não são apenas desoladoras  são reveladoras. Como se cada faixa funcionasse
como uma porta entre realidades, abrindo lentamente o acesso a zonas do espírito que deveriam permanecer intocadas. Os teclados, longínquos e espectrais, evocam uma tristeza que não pertence apenas ao indivíduo, mas à própria humanidade  uma melancolia ancestral, como se o mundo chorasse por si mesmo há milênios.

Em “Dying Once More”, o tempo parece estagnar. Não há salvação, não há catarse apenas um eterno retorno ao mesmo ponto de dor. É como viver o mesmo último suspiro repetidamente, preso em um ciclo de morte perpétua. E então, quando a música ameaça oferecer uma tênue luz, ela desaparece, como a chama de uma vela engolida pelo vento gelado de um túmulo aberto.

A performance de Fabio de Paula, ao mesmo tempo grandiosa e soturna, funciona como a voz do próprio vazio. Os vocais não gritam por socorro  eles declaram a aceitação do fim, o reconhecimento de que a escuridão já venceu há muito tempo. Não há rebeldia aqui. Apenas resignação e nisso reside o terror verdadeiro.

We, the Dead não é uma obra feita para agradar ou entreter. É um testamento. Um relicário de verdades cruéis, sussurradas com a lentidão de quem já ultrapassou a urgência do desespero. Um álbum para ser sentido com o corpo todo, como uma febre noturna que te impede de dormir, mas não te deixa acordar por completo.

E então, quando o álbum parece cessar quando o último acorde se dissolve no éter, e o silêncio toma

novamente seu lugar não resta o alívio. Apenas uma sensação incômoda de que algo foi despertado. Algo que sempre esteve lá, adormecido nos cantos esquecidos da alma, agora observa em silêncio esperando o momento certo para se erguer.

Porque We, the Dead não termina quando sua última faixa se cala ele continua. Nos ruídos da noite, no rangido dos móveis, nos sonhos que ganham tons acinzentados e nos pensamentos que não nos pertencem mais. O álbum planta sementes em um solo fértil de dúvida e melancolia, e suas raízes silenciosas crescem para dentro, entrelaçando-se com as memórias, as perdas, os lutos não chorados.

É um trabalho que corrompe o conceito tradicional de beleza  ele revela o belo na putrefação, na lentidão do fim, na dignidade sombria de aceitar que tudo apodrece. Há ecos do romantismo mais negro, da espiritualidade quebrada, de uma fé que morreu mas deixou vestígios, vagando por ruínas onde só os mais sensíveis ousam pisar. HellLight caminha entre essas ruínas com a serenidade de quem sabe que o mundo dos vivos é apenas uma ilusão bem decorada.

Cada audição é um descenso mais profundo. Cada nova escuta revela espectros que antes estavam ocultos sutis mudanças de tom, pequenas melodias soterradas que se deixam ouvir apenas quando o espírito está suficientemente esvaziado. Não há pressa aqui. Não há refrão. Não há sequer promessa de retorno. Há apenas a passagem... e o que vem depois dela.


O mais aterrador em We, the Dead não é a sua escuridão sonora. É o que ele revela em silêncio, nas entrelinhas do som: que talvez estejamos todos apenas fingindo vida. Que nossas rotinas, nossos afetos, nossas memórias sejam apenas vestígios de algo que já se foi. E que, ao escutar este álbum, finalmente ouvimos não uma música, mas uma verdade incômoda aquela que só os mortos conhecem.

E assim, quando o silêncio se instala novamente em sua casa, e você tenta voltar ao mundo de antes, algo permanece. Um peso. Um eco. Um olhar atrás dos olhos e você se pergunta, já tarde demais: e se nós formos os mortos, e só agora começamos a perceber?

E então, quando já não há retorno quando o silêncio após a última nota se torna mais ensurdecedor do que o som resta apenas encarar o espelho. E se a música não for apenas arte, mas invocação? E se We, the Dead for um portal, não um álbum? Ao escutá-lo, você não apenas visita a morte... você a convida.

Faixas de We, the Dead:

  1. Dying Once More
  2. As Daylight Fades (com participação de Heike Langhans)
  3. Walking Alone
  4. Fading into Nothing
  5. The Coldness of the End
  6. We, the Dead
  7. Funeral Requiem
Selos responsáveis pelo lançamento:
Meuse Music Records (Bélgica)
Mutilation Records (Brasil)
Cold Art Industry (Brasil)

 

Como um vulto ao pé da cama, ele sabe que, mais cedo ou mais tarde, todos virão até ele. Porque há álbuns que você escuta… e há álbuns que escutam você. E talvez, neste exato momento, enquanto você lê estas palavras e o silêncio te envolve, algo  ou alguém  do outro lado da música esteja, enfim, acordando.

Bem-vindo ao outro lado.




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