São sete faixas que totalizam quase 80 minutos de um
sofrimento orquestrado com precisão cirúrgica. Guitarras densas como a terra de
um túmulo recém-aberto, teclados que ressoam como lamentos de fantasmas
antigos, e vocais guturais que mais parecem brotar de algum lugar entre o peito
e o abismo. A produção, assinada pela própria banda no Doom Inc. Studios,
mantém o som com um pé na catedral e outro na cripta, revelando camadas de dor
que não se mostram de imediato elas se
insinuam, lentamente, como uma febre que não passa.
Há algo de litúrgico em We, the Dead. Cada faixa é
uma oferenda, uma confissão de dor deixada no altar da existência. Não há
pressa. O tempo aqui se dissolve, se arrasta, como se as horas tivessem perdido
o rumo. É um álbum que não se ouve: nele se entra. E, uma vez dentro, a saída
se torna apenas um rumor distante. A beleza que habita essas composições não é
a que brilha é a que corrói. E quanto mais se ouve, mais o mundo exterior
parece perder sentido, cor, forma...
Porque talvez, no fundo, sejamos mesmo apenas ecos de um
passado morto, sombras caminhando entre escombros que insistimos em chamar de
vida. Talvez este álbum seja o espelho que se recusa a refletir a luz, e, ao
encará-lo, percebamos algo que sempre esteve ali, nos observando das frestas
mais escuras da consciência...
Um sussurro antigo que agora ganha corpo, forma e som nas
camadas imersivas de We, the Dead. Há um peso existencial em cada nota
arrastada, um aviso enterrado sob os riffs que reverberam como badalos de um
sino que nunca para de tocar. O HellLight não apenas compõe música eles erguem monumentos de agonia, catedrais
de silêncio onde o luto é o idioma sagrado.
Em “Dying Once More”, o tempo parece estagnar. Não há
salvação, não há catarse apenas um eterno retorno ao mesmo ponto de dor. É como
viver o mesmo último suspiro repetidamente, preso em um ciclo de morte
perpétua. E então, quando a música ameaça oferecer uma tênue luz, ela
desaparece, como a chama de uma vela engolida pelo vento gelado de um túmulo
aberto.
A performance de Fabio de Paula, ao mesmo tempo grandiosa e
soturna, funciona como a voz do próprio vazio. Os vocais não gritam por
socorro eles declaram a aceitação do
fim, o reconhecimento de que a escuridão já venceu há muito tempo. Não há
rebeldia aqui. Apenas resignação e nisso reside o terror verdadeiro.
We, the Dead não é uma obra feita para agradar ou
entreter. É um testamento. Um relicário de verdades cruéis, sussurradas com a
lentidão de quem já ultrapassou a urgência do desespero. Um álbum para ser
sentido com o corpo todo, como uma febre noturna que te impede de dormir, mas
não te deixa acordar por completo.
Porque We, the Dead não termina quando sua última
faixa se cala ele continua. Nos ruídos da noite, no rangido dos móveis, nos
sonhos que ganham tons acinzentados e nos pensamentos que não nos pertencem
mais. O álbum planta sementes em um solo fértil de dúvida e melancolia, e suas
raízes silenciosas crescem para dentro, entrelaçando-se com as memórias, as
perdas, os lutos não chorados.
É um trabalho que corrompe o conceito tradicional de
beleza ele revela o belo na putrefação,
na lentidão do fim, na dignidade sombria de aceitar que tudo apodrece. Há ecos
do romantismo mais negro, da espiritualidade quebrada, de uma fé que morreu mas
deixou vestígios, vagando por ruínas onde só os mais sensíveis ousam pisar.
HellLight caminha entre essas ruínas com a serenidade de quem sabe que o mundo
dos vivos é apenas uma ilusão bem decorada.
Cada audição é um descenso mais profundo. Cada nova escuta
revela espectros que antes estavam ocultos sutis mudanças de tom, pequenas
melodias soterradas que se deixam ouvir apenas quando o espírito está
suficientemente esvaziado. Não há pressa aqui. Não há refrão. Não há sequer
promessa de retorno. Há apenas a passagem... e o que vem depois dela.
O mais aterrador em We, the Dead não é a sua
escuridão sonora. É o que ele revela em silêncio, nas entrelinhas do som: que
talvez estejamos todos apenas fingindo vida. Que nossas rotinas, nossos afetos,
nossas memórias sejam apenas vestígios de algo que já se foi. E que, ao escutar
este álbum, finalmente ouvimos não uma música, mas uma verdade incômoda aquela
que só os mortos conhecem.
E então, quando já não há retorno quando o silêncio após a
última nota se torna mais ensurdecedor do que o som resta apenas encarar o
espelho. E se a música não for apenas arte, mas invocação? E se We, the Dead
for um portal, não um álbum? Ao escutá-lo, você não apenas visita a morte...
você a convida.
Faixas de We, the Dead:
- Dying
Once More
- As
Daylight Fades (com participação de Heike Langhans)
- Walking
Alone
- Fading
into Nothing
- The
Coldness of the End
- We,
the Dead
- Funeral Requiem
Como um vulto ao pé da cama, ele sabe que, mais cedo ou mais
tarde, todos virão até ele. Porque há álbuns que você escuta… e há álbuns que
escutam você. E talvez, neste exato momento, enquanto você lê estas
palavras e o silêncio te envolve, algo
ou alguém do outro lado da música
esteja, enfim, acordando.
Bem-vindo ao outro lado.
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