O projeto, capitaneado por L. Winter (Cassio F.
Becker), é a expressão crua e direta de um universo interior devastado, onde a
filosofia niilista serve como guia e abismo. Com seis faixas, Despair é
ao mesmo tempo um manifesto e um funeral um epitáfio escrito em acordes
dissonantes e atmosferas gélidas
Logo na faixa de abertura, “Winter Forest”, somos
lançados em uma tempestade de riffs lentos, frios e minimalistas, como se
adentrássemos uma floresta morta em pleno rigor do inverno existencial. A
produção bruta não soa como limitação, mas como escolha estética enfatizando o
distanciamento emocional e a frieza de uma alma em decomposição.
“Tyrant of Nihilism” talvez seja o ponto mais
filosófico do álbum. A letra, construída em cima de negações e rupturas, ecoa a
ideia de um tirano interno que destrói certezas e consome toda tentativa de
sentido. Musicalmente, a faixa avança com uma cadência ritualística, quase
hipnótica, como um mantra sombrio que repete a impossibilidade da salvação.
“Reaching the Depths of Death” e “Clouds of Agony”
seguem essa trajetória descendente, afundando o ouvinte em uma névoa de dor e
introspecção. As guitarras choram lentamente enquanto os vocais rasgados, quase
indistinguíveis, funcionam mais como uma textura que como condução lírica. A
presença de teclados discretos, mas essenciais, adiciona uma camada etérea e
espectral.
A faixa-título, “Despair”, é o ápice do minimalismo.
Sua única letra, “Screams”, resume em uma palavra tudo que não pode ser dito. É
um momento em que a música transcende a linguagem verbal e se torna puro
sentimento ou a ausência total dele. Aqui, o silêncio diz tanto quanto o som.
Fechando o álbum, “Nihil” serve como conclusão
temática, reforçando a tese da obra: não há salvação, não há luz, não há nada.
A repetição de ideias filosóficas e sonoras não é um erro, mas um espelho do
próprio niilismo que o disco encarna: a existência gira em círculos até se desfazer.
A faixa não busca resolver, mas afundar ainda mais na constatação de que a
busca por sentido é, talvez, a maior das ilusões.
É possível traçar paralelos com bandas internacionais como
Xasthur, Nocturnal Depression ou até mesmo os primeiros trabalhos de Burzum,
mas Winter Forest entrega algo profundamente pessoal enraizado não apenas na
dor existencial universal, mas também em um sentimento de isolamento
tipicamente sul-americano, onde a marginalização do gênero é tão intensa quanto
o conteúdo que ele carrega.
A beleza de Despair está justamente na sua recusa em
oferecer catarse. Não há redenção, nem redenção estética. Ao contrário, tudo é
entrega ao caos interno um chamado para aceitar o fim de todas as ilusões, e
com isso, talvez encontrar uma forma de silêncio mais honesta que qualquer
promessa de consolo. Esse silêncio opressor, absoluto, nu, não é ausência de
expressão, mas o ponto final de uma jornada onde o som já não serve mais como
veículo de comunicação, e sim como eco de algo que já morreu.
Essa proposta faz de Despair um álbum desafiador. Ele
exige escuta atenta, não no sentido técnico, mas emocional. Não é música para
consumo rápido ou distração; é música para momentos de confrontação. O disco
rejeita ornamentos, rejeita virtuosismo, rejeita qualquer noção de esperança.
Cada faixa soa como se estivesse presa entre a dor e a ausência total de
emoção, um limbo onde o ouvinte é forçado a apenas ser, sem máscaras ou
fantasias.
No panorama do Black Metal nacional, Winter Forest se
destaca por oferecer uma visão estética e filosófica coesa, sombria e
radicalmente honesta. Despair não tenta agradar e é justamente nisso que
reside sua força. Ele não convida o ouvinte, ele o arrasta. É uma obra feita
não para todos, mas para aqueles que, em algum momento, reconheceram no abismo
interno não um inimigo, mas um espelho.
E é nesse espelho, trincado, que nos vemos, ainda que
fragmentados. Porque Despair não é só um disco é um testamento. Um
testemunho do que acontece quando não há mais para onde fugir. Quando até o
grito se cala. Quando o frio não é apenas climático, mas ontológico. E então
resta apenas a floresta, o vazio, o fim. ou talvez o eterno retorno do mesmo,
onde o fim não é um encerramento, mas um ciclo
uma repetição incessante do vazio. Em Despair, o tempo não
avança: ele se arrasta, circular, como se cada riff fosse um loop de sofrimento
estagnado. Não há progresso, apenas insistência. E essa insistência é o que o
torna brutalmente humano.
Esse álbum nos lembra que o desespero não é um momento
isolado, mas uma condição possível e
muitas vezes permanente da existência. Não há catarse em Despair,
porque não há superação. O álbum se recusa a fechar suas feridas, preferindo
exibi-las como um corpo que já não sangra, mas pulsa em silêncio. É uma obra
sobre desistir não da vida em si, mas das ficções que a sustentam.
A escolha de manter as letras quase inaudíveis, afundadas na
mixagem, também faz parte da estética de negação. As palavras não importam
tanto quanto a sensação que elas evocam. É como tentar conversar durante uma
tempestade: tudo o que se ouve é o vento, e o que se sente é o frio. O álbum é
esse vento. É esse frio.
No cenário underground brasileiro, Despair representa
um ponto de resistência contra o excesso de técnica, brilho ou até teatralidade
que muitas vezes permeia o metal extremo. Winter Forest faz o caminho oposto:
caminha rumo à essência, à matéria-prima do sofrimento, à natureza desolada do
espírito. Não há nada aqui que não seja verdadeiro em sua dor. Não há
concessões.
O Brasil, com sua tradição de extremos sociais, emocionais,
geográficos é o terreno perfeito para o
surgimento de uma obra como essa. Despair carrega em si o eco das
florestas vazias do sul, das cidades esquecidas pelo tempo, da interiorização
de uma tristeza que não grita, mas consome. E talvez seja nesse ponto que o
álbum se conecte com quem escuta: ao expor a impossibilidade de redenção, ele
também liberta. Pois quando tudo já morreu dentro de nós, resta apenas a
aceitação.
E é aí que Despair se torna mais que um disco. Ele se
torna um companheiro silencioso para aqueles que caminham entre ruínas. Não
oferece mão, nem palavra de apoio. Apenas caminha ao lado. Em silêncio. No escuro
esse caminhar silencioso seja o gesto mais verdadeiro de todos. Porque Despair
não tenta curar, não tenta convencer, não tenta mentir. Ele apenas é.
Cru, honesto, brutal. Um espelho de almas partidas, de mentes que já não
esperam mais o dia seguinte, mas ainda assim respiram mesmo que sem sentido.
Winter Forest, com esse álbum, oferece um refúgio sombrio
para os que buscam algo além da estética: uma vivência, uma comunhão no
sofrimento, uma trilha sonora para noites em que a existência pesa mais do que
o corpo pode suportar. Despair é a floresta onde não há trilha, só frio,
ecos e ausência.
E é nesse espaço desolado que o disco encontra sua grandeza.
Porque ao se negar a ser acessível, ao se recusar a entreter, ele atinge o
âmago da arte verdadeira: aquela que não serve, mas se impõe. Que não conforta,
mas revela. Que não se explica, mas permanece.
Despair não termina ele continua dentro de quem
escuta. Como uma brasa oculta sob a neve. Como o último som antes do silêncio
completo. Como um último olhar para dentro de si mesmo, e a certeza de que...
não há mais nada. E, talvez, exatamente por isso, tudo.
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