Woods of Ypres – Woods 5: Grey Skies & Electric Light (2012)
Woods of Ypres – Woods 5: Grey Skies & Electric Light
é um álbum que se apresenta como uma das expressões mais sinceras e
melancólicas dentro do metal contemporâneo. Lançado em 2012, após a morte
prematura de David Gold, mente criativa e emocional da banda, o disco carrega
um peso quase profético em suas letras e atmosferas. É como se cada faixa fosse
escrita com a consciência do fim, envolta em uma névoa de reflexão sombria,
aceitação e desencanto.
A sonoridade do álbum se distancia do black metal cru dos
primeiros trabalhos da banda e mergulha de vez no Doom e no Gothic metal, com
passagens melódicas e vocais predominantemente limpos. Há uma clareza na
produção que não diminui o impacto das composições, mas ao contrário, expõe
cada arranjo com precisão quase cirúrgica. O ritmo é lento, arrastado, como se
cada acorde fosse uma etapa de um luto ainda em curso. A bateria, tocada pelo
próprio Gold, é contida, cadenciada, marcada pela intenção emocional mais do
que pela técnica.
Liricamente, o disco é um mergulho profundo nas fraturas da
existência humana. Faixas como "Career Suicide (Is Not Real Suicide)"
desafiam convenções e exploram a dor com uma franqueza desconfortável. Em
"Adora Vivos", Gold implora que as pessoas valorizem os vivos em vez
de apenas reverenciar os mortos, sugerindo uma crítica à forma como lidamos com
a memória e o reconhecimento. "Lightning & Snow" abre o álbum com
uma sensação de fúria resignada, enquanto "Finality" se aproxima de
um tom quase espiritual, aceitando o fim com um misto de tristeza e paz.
O uso de instrumentos menos convencionais para o gênero,
como oboé e violoncelo, adiciona uma dimensão atmosférica que eleva o disco a
um patamar quase cinematográfico. As melodias são construídas com cuidado,
muitas vezes repetitivas, criando um ciclo emocional que prende o ouvinte em
uma espiral introspectiva. Cada faixa parece dialogar com a anterior, não
apenas em tom, mas em conteúdo, criando um fio narrativo que transforma o álbum
em uma jornada única, quase como uma carta aberta ao vazio
existencial que assombra cada gesto, cada decisão, cada
silêncio. David Gold não escreve como um poeta que observa a tristeza de longe;
ele a vive, a sussurra, a grita em cada verso. Em "Modern Life
Architecture", por exemplo, há uma crítica dura à artificialidade das
escolhas modernas, à maneira como construímos vidas em torno de metas vazias,
esquecendo a essência do que nos torna humanos. Não há aqui redenção fácil, nem
esperança camuflada apenas constatações amargas entregues com uma beleza fria e
lúcida.
Os vocais de Gold oscilam entre o canto limpo, carregado de
resignação, e momentos de gutural
controlado, usados com parcimônia, sempre a
serviço da emoção. Essa escolha reforça o caráter meditativo do álbum, que
parece mais interessado em fazer pensar do que em provocar. Há peso, sim, mas
não aquele que se mede em distorção é o peso da existência, da perda, daquilo
que nunca foi dito e agora não pode mais ser.
O equilíbrio entre melodia e desespero é cuidadosamente
construído. "Kiss My Ashes (Goodbye)" talvez seja o exemplo mais
forte dessa fusão: com seus mais de dez minutos, a música é dividida em duas
partes que se complementam, como se narrassem um adeus em tempo real. O
instrumental cresce, colapsa, silencia, enquanto a voz de Gold surge como uma
presença fantasmal que ainda tenta se fazer ouvir entre as ruínas da memória.
É impossível ouvir esse álbum sem sentir a ausência presente
de seu criador. "Woods 5" soa como uma despedida involuntária, mas
estranhamente completa, como se tudo o que precisava ser dito já estivesse ali,
selado em sons e palavras que ecoam com um tipo de dor que não busca consolo. E
é justamente nessa crueza emocional que o álbum se torna tão singular. Ele não
oferece alívio. Ele não se desculpa. Ele apenas permanece, como uma sombra
persistente no canto da consciência uma sombra que não ameaça, mas também não
consola. Ela apenas existe, como a verdade incômoda de que tudo é passageiro e
de que o sentido, se existe, talvez esteja no ato de continuar apesar do vazio.
"Woods 5: Grey Skies & Electric Light" não é um álbum para ouvir
em qualquer momento. Ele exige entrega. Ele exige silêncio. É um trabalho que
parece respirar junto com o ouvinte, cada batida lenta do bumbo se confundindo
com o coração, cada riff carregado de luto se misturando às memórias pessoais
de quem escuta.
Ao longo do álbum, David Gold nunca assume o papel de guia
espiritual ou poeta redentor. Ele é mais um confidente que se senta ao lado do
ouvinte à beira do abismo, compartilhando dúvidas, cansaços e pequenas
epifanias sem a pretensão de resolvê-los. Em "Silver", por exemplo,
há uma mistura de sarcasmo e melancolia enquanto ele canta sobre a futilidade
das coisas que tentamos acumular para dar sentido às nossas vidas. A crítica
está ali, mas sem agressividade é quase como se ele dissesse: “veja, eu também
tentei”.
A estrutura das músicas reforça essa jornada emocional. Nada
parece encaixado para agradar fórmulas
de mercado ou expectativa de fãs. Há
faixas longas, com andamentos que não têm pressa, e há canções curtas, diretas,
como lampejos de lucidez. A dualidade entre “Grey Skies” e “Electric Light” céu
nublado e luz elétrica sintetiza essa tensão entre escuridão e artifício, entre
natureza e tecnologia, entre sentimento e distração. O título do álbum, aliás,
é um poema por si só, carregando uma ambiguidade que atravessa cada nota e cada
silêncio do disco.
Em termos de legado, “Woods 5” se destaca como uma despedida
artística raramente tão completa e autêntica. É difícil não pensar no álbum
como uma espécie de epitáfio musical, um documento final de alguém que estava
profundamente em contato com sua finitude e, ainda assim, decidido a registrar
cada centímetro de sua dor, raiva e aceitação. O impacto do álbum vai além da
sua sonoridade ou da sua importância dentro do metal ele toca em algo
universal, atemporal. Ele fala da morte sim, mas principalmente da vida, do que
ela pesa, do que ela exige, do que ela deixa quando termina.
“Woods 5: Grey Skies & Electric Light” é um espelho
embaçado da alma humana, um relicário de pensamentos que muitos têm medo de
formular em voz alta. Ele não pede desculpas por sua escuridão; ao contrário, a
celebra. É um lembrete brutal de que a existência é frágil, muitas vezes
absurda, e quase sempre marcada pela ausência de sentido, de tempo, de consolo.
A tragédia da morte de David Gold, ocorrida meses antes do
lançamento do disco, não é apenas um fato biográfico, mas uma presença
fantasmagórica que habita cada faixa. Ele morreu em um acidente de carro na
véspera do Natal de 2011, aos 31 anos. A violência e a ironia dessa partida
repentina apenas amplificam o eco existencial de suas composições, como se o
próprio universo tivesse respondido à sua música com um silêncio definitivo.
E ainda assim, ele não se foi, não inteiramente. David Gold
permanece vivo entre riffs arrastados e versos sussurrados com amargura serena.
Sua voz continua a guiar os que buscam significado nas entrelinhas da dor, sua
poesia continua a tocar os que se sentem deslocados em um mundo que gira rápido
demais. A arte, como o amor e o luto, tem essa capacidade singular de resistir
ao tempo e à ausência. Cada vez que esse álbum é ouvido, é como se David
sentasse ao lado de alguém outra vez não para dar respostas, mas para lembrar
que, mesmo nas paisagens mais nubladas, há beleza no gesto de olhar para o céu.
“Grey Skies & Electric Light” é, portanto, mais do que
uma despedida. É uma permanência. Um testamento de que, enquanto houver alguém
disposto a escutar, nenhuma voz se apaga por completo.
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