quinta-feira, 24 de julho de 2025

My Last Promise – A Funeral of Being (Album 2025)

 



Um disco que não pede licença para entrar, mas sim se impõe como uma confissão. A Funeral of Being, o mais recente trabalho da artista ucraniana Haze sob o nome My Last Promise, é uma jornada dolorosa pelas ruínas do eu. Desde os primeiros segundos, há uma atmosfera que pesa como um quarto trancado há anos, onde cada nota ecoa como um pensamento que já deveria ter sido esquecido, mas que insiste em permanecer.

A produção é crua, quase cruel em sua sinceridade. Guitarras que choram e se arrastam, linhas vocais em agonia, não se trata de técnica, mas de verdade. É uma dor sem ornamento. Em faixas como "Broken Trust" e "Emptiness", a sensação não é de escuta, mas de vigília. Estamos diante de alguém que decidiu não esconder mais nada, mesmo que isso custe tudo. E essa exposição, ao mesmo tempo delicada e brutal, cria uma conexão incômoda, íntima, inevitável.

O álbum todo parece seguir um fluxo próprio, como se a artista tivesse deixado de lado qualquer intenção externa e apenas deixado o que precisava sair, sair. Não há refrãos memoráveis, não há refrões sequer. Há passagens que se repetem não por estética, mas como quem revive lembranças que não consegue silenciar. A melodia, se é que podemos chamar assim, serve mais como sombra do que como luz.

O que mais chama atenção, porém, não é o desespero escancarado, mas sim o silêncio entre os sons. Aqueles instantes em que tudo para e só resta o eco de algo que nunca foi dito em voz alta. Como se cada música fosse uma carta escrita à mão, mas jamais enviada. Um suspiro entre gritos. Um funeral onde não há corpo, apenas ausência.

A arte do disco acompanha essa estética minimalista e escura e não como enfeite, mas como reflexo.
Tudo parece estar no limite, desde os sussurros que quase se perdem até os trechos em que o caos ameaça romper a delicada barreira entre o controle e o colapso. Haze não oferece respostas. Ela também não pergunta. Ela apenas mostra o que sobrou de si, sem piedade, sem filtro. Em “Hurt”, talvez a faixa mais visceral do disco, não há propriamente uma canção, há uma sensação sendo expurgada. É como se estivéssemos ouvindo alguém que não canta, mas tenta se lembrar de como era respirar antes da dor. Cada acorde arrasta consigo a poeira dos dias apagados, enquanto a voz que mais chora do que fala parece sussurrar ao ouvido de fantasmas que já não respondem.

Não se trata de um álbum para ser entendido, muito menos admirado em sua forma técnica. É um trabalho para ser sentido com as vísceras, de olhos fechados. Um ritual de despedida que se repete em loop, como se cada faixa fosse uma tentativa fracassada de deixar ir. A repetição lenta e arrastada das estruturas revela não tédio, mas exaustão. Como quem tenta sair de um quarto escuro e sempre bate na mesma parede.

Em A Funeral of Being se torna mais do que um disco: vira espelho. Um espelho embaçado por lágrimas antigas, que ainda que ainda escorrem, mesmo quando o rosto já se acostumou à secura. Nesse espelho, o que se vê não é um reflexo, mas um rastro como se alguém tivesse passado por ali, tocado o vidro com mãos sujas de lembrança, e desaparecido sem dizer nada. Cada faixa deixa essa impressão de presença ausente, como cartas deixadas em uma casa vazia, escritas por alguém que não esperava resposta.

O silêncio entre as notas começa a pesar mais do que a própria música. Há trechos em que a ausência se torna tão concreta quanto o som. É nesses momentos que Haze revela a verdadeira força do projeto: não é o grito que machuca, é o espaço entre os gritos. É o que não se diz, o que é engolido. É a memória sonora do que nunca foi pronunciado. Como uma voz que tenta emergir, mas afunda a cada tentativa.

O Instrumental, por sua vez, nunca se impõe e ela cede, recua, se dissolve. Guitarras distorcidas que mais tremem do que rasgam, batidas que surgem como ecos, e texturas que parecem suspensas no tempo. Há um tipo de beleza trêmula em tudo isso, uma estética do inacabado, como se o álbum inteiro fosse um rascunho de despedida jamais finalizado.

Em “Emptiness”, a sensação não é só de vazio é de eco. Como se cada som retornasse distorcido, vindo de um lugar onde a vida já não tem forma, apenas contorno. E talvez seja justamente aí que A Funeral of Being encontra sua força maior: não na dor explícita, mas naquilo que é deixado para trás, nos cantos escuros que nos cantos escuros que ninguém ousa olhar porque ali não há resposta, não há luz, não há redenção. Ali só existe o eco de uma existência que já desistiu de tentar fazer sentido.

“A Funeral of Being” não é um disco. É um corpo estendido no meio de um quarto frio. É o suspiro que antecede a ruptura. É o som de alguém que já ultrapassou todos os estágios da dor e agora apenas observa a própria alma, em silêncio, se despedaçando como vidro fino sob o peso do tempo. Haze não canta. Ela sangra. Cada faixa é um corte aberto e profundo, sujo, impossível de costurar.

Esse álbum não quer ser ouvido. Ele quer ser sentido como febre, como enjoo, como vertigem. Ele te
pega pela nuca e te obriga a encarar o abismo que você fingia não ver. E quando você pisca, já está lá dentro, afundando devagar, enquanto a melodia sussurra coisas que ninguém em sã consciência deveria ouvir.

Não há redenção. Não há superação. Não há ensinamento.

Só existe a constatação de que viver é um erro que cometemos todos os dias ao acordar.

E a cada nota... a cada respiro entre ruídos... a cada palavra arrastada para fora de um peito que não aguenta mais carregar sequer a própria existência... o que se entende é que esse funeral não é só do ser. É do sentir. Do crer. Do suportar.

E então, de repente, tudo silencia.

Mas o silêncio não traz paz.

Traz... uma ausência que grita.

BANDCAMP



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