A produção é crua, quase cruel em sua sinceridade. Guitarras
que choram e se arrastam, linhas vocais em agonia, não se trata de técnica, mas
de verdade. É uma dor sem ornamento. Em faixas como "Broken Trust" e
"Emptiness", a sensação não é de escuta, mas de vigília. Estamos
diante de alguém que decidiu não esconder mais nada, mesmo que isso custe tudo.
E essa exposição, ao mesmo tempo delicada e brutal, cria uma conexão incômoda,
íntima, inevitável.
O álbum todo parece seguir um fluxo próprio, como se a
artista tivesse deixado de lado qualquer intenção externa e apenas deixado o
que precisava sair, sair. Não há refrãos memoráveis, não há refrões sequer. Há
passagens que se repetem não por estética, mas como quem revive lembranças que
não consegue silenciar. A melodia, se é que podemos chamar assim, serve mais
como sombra do que como luz.
O que mais chama atenção, porém, não é o desespero
escancarado, mas sim o silêncio entre os sons. Aqueles instantes em que tudo
para e só resta o eco de algo que nunca foi dito em voz alta. Como se cada
música fosse uma carta escrita à mão, mas jamais enviada. Um suspiro entre
gritos. Um funeral onde não há corpo, apenas ausência.
Não se trata de um álbum para ser entendido, muito menos
admirado em sua forma técnica. É um trabalho para ser sentido com as vísceras,
de olhos fechados. Um ritual de despedida que se repete em loop, como se cada
faixa fosse uma tentativa fracassada de deixar ir. A repetição lenta e
arrastada das estruturas revela não tédio, mas exaustão. Como quem tenta sair
de um quarto escuro e sempre bate na mesma parede.
Em A Funeral of Being se torna mais do que um disco:
vira espelho. Um espelho embaçado por lágrimas antigas, que ainda que ainda
escorrem, mesmo quando o rosto já se acostumou à secura. Nesse espelho, o que
se vê não é um reflexo, mas um rastro como se alguém tivesse passado por ali,
tocado o vidro com mãos sujas de lembrança, e desaparecido sem dizer nada. Cada
faixa deixa essa impressão de presença ausente, como cartas deixadas em uma
casa vazia, escritas por alguém que não esperava resposta.
O silêncio entre as notas começa a pesar mais do que a
própria música. Há trechos em que a ausência se torna tão concreta quanto o
som. É nesses momentos que Haze revela a verdadeira força do projeto: não é o
grito que machuca, é o espaço entre os gritos. É o que não se diz, o que é
engolido. É a memória sonora do que nunca foi pronunciado. Como uma voz que
tenta emergir, mas afunda a cada tentativa.
Em “Emptiness”, a sensação não é só de vazio é de eco. Como
se cada som retornasse distorcido, vindo de um lugar onde a vida já não tem
forma, apenas contorno. E talvez seja justamente aí que A Funeral of Being
encontra sua força maior: não na dor explícita, mas naquilo que é deixado para
trás, nos cantos escuros que nos cantos escuros que ninguém ousa olhar porque
ali não há resposta, não há luz, não há redenção. Ali só existe o eco de uma
existência que já desistiu de tentar fazer sentido.
“A Funeral of Being” não é um disco. É um corpo
estendido no meio de um quarto frio. É o suspiro que antecede a ruptura. É o
som de alguém que já ultrapassou todos os estágios da dor e agora apenas
observa a própria alma, em silêncio, se despedaçando como vidro fino sob o peso
do tempo. Haze não canta. Ela sangra. Cada faixa é um corte aberto e profundo,
sujo, impossível de costurar.
Não há redenção. Não há superação. Não há ensinamento.
Só existe a constatação de que viver é um erro que cometemos
todos os dias ao acordar.
E a cada nota... a cada respiro entre ruídos... a cada
palavra arrastada para fora de um peito que não aguenta mais carregar sequer a
própria existência... o que se entende é que esse funeral não é só do ser. É do
sentir. Do crer. Do suportar.
E então, de repente, tudo silencia.
Mas o silêncio não traz paz.
Traz... uma ausência que grita.
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