sexta-feira, 20 de junho de 2025

Rosas, Espadas e Abismos: O Significado Filosófico e os Limites da Arte na Obra de Draugveil

 


Draugveil é um projeto de black metal originário da República Tcheca, idealizado por um único artista que assina com o mesmo nome da banda. O álbum de estreia, Cruel World of Dreams and Fears, lançado em 2025, carrega uma atmosfera reflexiva e sombria, representada tanto em sua música quanto na estética visual que o acompanha. O projeto une a essência do black metal clássico com elementos modernos, traçando paralelos com a segunda onda do gênero, ao mesmo tempo em que flerta com o dungeon synth e uma estética neoclássica.
A capa do álbum é um elemento crucial na construção da narrativa visual e conceitual do trabalho. Nela, Draugveil é retratado usando uma armadura medieval, em meio a rosas vermelhas, segurando uma espada, com maquiagem típica de corpse paint. A composição carrega uma aura de melancolia teatral, remetendo a um herói trágico em um cenário de sonho e pesadelo elementos já sugeridos no título do álbum.

Análise Estética e Referências Artísticas

A imagem na capa evoca a tradição do romantismo sombrio, enquanto dialoga com a pintura medieval e
renascentista. A República Tcheca, lar de Draugveil, possui uma rica herança artística que pode ser vista como pano de fundo cultural para a escolha da estética. Artistas como Josef Mánes e Mikoláš Aleš, conhecidos por suas representações românticas de cenas épicas e medievais, podem ser apontados como influências potenciais, ainda que de maneira indireta.

A figura do artista na capa também traz à mente a teatralidade presente nas obras de Caravaggio, que, embora italiano, inspirou inúmeros pintores da Europa Central com sua manipulação de luz e sombra (chiaroscuro) 1*. Na República Tcheca, esse efeito é visível nas obras de artistas barrocos como Karel Škréta, que explorava temas religiosos e mitológicos com intensa dramaticidade.

Já as rosas vermelhas ao redor do artista simbolizam paixão e sofrimento, reminiscente de temas góticos e pré-rafaelitas. Na República Tcheca, o simbolismo floral aparece frequentemente no trabalho de Alphonse Mucha, ícone do movimento Art Nouveau 2*. Embora Mucha tenha uma abordagem mais delicada e ornamental, sua influência pode ser vista na maneira como o cenário da capa de Draugveil mistura o real e o idealizado.

Por outro lado, a escolha de uma armadura medieval pode ser interpretada como uma alusão direta às tradições cavaleirescas e às lendas da Boêmia, tão profundamente enraizadas na cultura tcheca. Escultores e pintores como Václav Hollar, com suas detalhadas gravuras de cenas históricas, perpetuaram a iconografia da armadura como símbolo de nobreza e resistência, temas que ressoam na atmosfera de Draugveil.

A espada, como objeto central, evoca força e proteção, mas, em um contexto mais amplo, também pode ser vista como um emblema de sacrifício. Este simbolismo é amplamente explorado em toda a Europa Central, com artistas como Peter Paul Rubens (apesar de ser flamengo) representando temas heroicos em cenários igualmente dramáticos.

Além disso, a presença da espada e da armadura na composição estabelece um elo direto com o ethos do
black metal, que frequentemente faz uso de símbolos medievais para evocar ideias de resistência, luta e solidão. A República Tcheca, como um território historicamente marcado por invasões, guerras e resistência cultural, oferece um pano de fundo ideal para essa narrativa. A escolha desses elementos pode ser vista como uma homenagem às histórias de bravura e sacrifício que permeiam a identidade nacional.

A ambientação sombria e os detalhes florais remetem também à dualidade entre vida e morte, um tema recorrente na obra de artistas europeus como Caspar David Friedrich, que frequentemente pintava paisagens melancólicas pontuadas por símbolos de transitoriedade, como árvores secas e ruínas. Essa influência pode ser vista na forma como Draugveil combina o esplendor das rosas com a decadência implícita na expressão do artista e no cenário desolado.

Simbolismo e Narrativa Visual

O posicionamento do artista no chão, cercado por rosas, evoca uma sensação de fragilidade e mortalidade que contrasta com a armadura, tradicionalmente associada à invencibilidade. Essa justaposição sugere uma narrativa implícita: um guerreiro derrotado, envolto na beleza das flores, contemplando o custo da batalha. Essa imagem pode ser interpretada tanto como uma meditação sobre a futilidade da luta quanto como uma aceitação poética do destino.

Na história da arte, o uso de flores em cenários sombrios frequentemente aponta para a ideia de vanitas um lembrete da impermanência da vida e da inevitabilidade da morte. Essa interpretação ressoa profundamente no contexto do black metal, um gênero que muitas vezes explora temas de niilismo, existencialismo e ensinamentos. Ao integrar esses elementos na capa de seu álbum, Draugveil transcende a mera representação visual e cria uma experiência que nos chama à uma reflexão.

Influências Literárias e Filosóficas

É impossível analisar a capa de Cruel World of Dreams and Fears sem considerar as influências literárias e filosóficas que podem ter moldado sua criação. A República Tcheca é terra natal de Franz Kafka, cujas obras frequentemente exploram temas de alienação, absurdo e desespero. A estética da capa, com sua mistura de teatralidade e contemplação, parece ecoar a sensibilidade kafkiana, apresentando uma visão do mundo que é ao mesmo tempo grandiosa e trágica.

Além disso, o título do álbum sugere uma conexão com o romantismo sombrio de autores como Edgar Allan Poe e Mary Shelley, cujas obras frequentemente abordam os limites entre sonho e realidade, vida e morte. Esse diálogo entre literatura e música é mais uma camada na rica tapeçaria artística que Draugveil parece buscar.

A Relevância Cultural e o Black Metal Contemporâneo

No cenário atual do black metal, onde a autenticidade e a identidade cultural são frequentemente debatidas, Draugveil apresenta uma abordagem que equilibra respeito às tradições do gênero com inovação artística. A escolha de elementos visuais profundamente enraizados na cultura e história europeias é um testemunho de sua capacidade de integrar influências locais e universais de forma coesa.

Por outro lado, a controvérsia em torno do uso de inteligência artificial para criar a capa levanta questões importantes sobre o papel da tecnologia na arte. Se, de fato, ferramentas digitais foram usadas, isso diminuiria o impacto artístico da obra ou, pelo contrário, ampliaria suas possibilidades interpretativas? Essa ambiguidade apenas reforça a natureza multifacetada do trabalho de Draugveil e sua relevância no contexto contemporâneo.

No entanto, mesmo que ferramentas tecnológicas tenham desempenhado algum papel na concepção da capa, a essência da composição permanece enraizada em simbolismos clássicos e narrativas profundamente humanas. A possibilidade de que o artista tenha utilizado inteligência artificial para aprimorar ou criar aspectos visuais da capa não diminui sua capacidade de dialogar com tradições artísticas e filosóficas, mas adiciona uma camada de complexidade ao debate sobre autenticidade e inovação no black metal.

Outro aspecto digno de nota é o tratamento das cores e texturas. O contraste entre o preto da armadura, o branco do corpse paint e o vermelho das rosas cria uma paleta cromática que remete diretamente ao simbolismo tradicional do black metal, enquanto reforça a conexão com temas universais como sacrifício, dor e transcendência. Essa escolha de cores também ecoa a tradição do expressionismo europeu, especialmente nas obras de artistas como Edvard Munch, que usavam paletas limitadas para intensificar a carga emocional de suas composições.

A Iconografia da Armadura e sua Relevância Histórica

No contexto da República Tcheca, a presença de uma armadura medieval na capa do álbum pode ser lida como uma referência às complexas narrativas de resistência e identidade nacional. Durante o período medieval, a Boêmia desempenhou um papel significativo na formação cultural e política da Europa Central. Lendas locais, como a de São Venceslau, o patrono do país, muitas vezes representam figuras heroicas trajadas em armaduras, reforçando o simbolismo de proteção e sacrifício.

Além disso, a tradição literária tcheca, com suas frequentes alusões à luta entre o indivíduo e forças opressoras, parece ecoar na imagem de Draugveil como um guerreiro solitário. Essa associação entre história e cultura moderna é uma característica marcante de projetos artísticos bem-sucedidos, e a capa de Cruel World of Dreams and Fears exemplifica essa conexão de maneira poderosa.

O Espaço Negativo e sua Importância no Design

Outro detalhe importante da capa é o uso de espaço negativo, particularmente na área ao redor do artista. O fundo, escuro e quase indistinto, permite que os elementos principais da composição o guerreiro, a espada e as rosas se destaquem, enquanto cria uma sensação de vazio e isolamento. Esse uso do espaço é reminiscente das técnicas de composição de artistas renascentistas e barrocos, que frequentemente usavam fundos escuros para destacar figuras e objetos em primeiro plano.

Esse vazio também contribui para a atmosfera introspectiva do álbum, refletindo a ideia de um "mundo cruel de sonhos e medos" onde a solidão e a incerteza predominam. A ausência de detalhes no fundo convida o espectador a projetar suas próprias interpretações, transformando a capa em uma espécie de espelho emocional.

Intersecção entre Música e Arte Visual

A conexão entre a capa e o conteúdo musical do álbum não pode ser subestimada. O black metal, como gênero, sempre valorizou a integração de elementos visuais e sonoros para criar uma experiência imersiva. No caso de Draugveil, a capa não apenas complementa a música, mas também a expande, oferecendo uma janela para o universo temático do álbum. É possível traçar paralelos entre a estética visual e as estruturas sonoras das faixas, que frequentemente alternam entre momentos de intensidade esmagadora e passagens mais etéreas e meditativas.

Esse tipo de sinergia entre som e imagem é uma característica central do black metal contemporâneo, que continua a evoluir como um gênero profundamente interdisciplinar. Draugveil, com seu enfoque cuidadoso tanto na música quanto na estética visual, posiciona-se como um exemplo notável dessa abordagem integrada.

Relação com a Simbologia Gótica

O caráter teatral da capa também pode ser associado à estética gótica, que sempre privilegiou a fusão entre beleza e morbidez. O uso de rosas vermelhas em um contexto sombrio é um tropo clássico do gótico, evocando a ideia de que até mesmo a beleza mais vibrante está destinada a murchar e desaparecer. Esse tipo de simbolismo é frequentemente encontrado na literatura gótica, como nos romances de Bram Stoker e Mary Shelley, e continua a influenciar as expressões visuais e musicais do black metal.

Essa interseção entre o gótico e o black metal é particularmente relevante na Europa Central, onde as tradições arquitetônicas e artísticas góticas moldaram profundamente a paisagem cultural. As catedrais, mosteiros e castelos que pontuam o território tcheco são testemunhas dessa herança, e sua influência pode ser percebida tanto na música quanto no design visual de Draugveil.

Continuidade e Expectativa

Ao observar a capa de Cruel World of Dreams and Fears, é evidente que ela serve como uma declaração de intenções artísticas para Draugveil. A complexidade da composição visual, combinada com sua ligação aos temas e tradições da República Tcheca, sugere que o projeto tem o potencial de explorar ainda mais profundamente a relação entre música, arte e identidade cultural.
Essa capa não é apenas uma imagem promocional, ela nos faz refletir sobre os limites e possibilidades da arte. Em tempos onde o real e o digital se entrelaçam, onde a autenticidade é questionada e a estética se torna híbrida, surgem questões sobre o papel do artista na era contemporânea.

Até onde vai a arte? Será que ela precisa ser limitada pelas ferramentas que a criam, ou é a mensagem que realmente importa? A composição de Draugveil nos força a encarar o abismo que separa a intenção artística da percepção do público, o que nos leva à conclusão de que a arte, em sua essência, é um espelho refletindo tanto o criador quanto o observador.

Mas há um limite? Se o uso de ferramentas digitais, como a inteligência artificial, for considerado uma “traição” à essência humana da criação, então qual seria o papel do artista em um mundo onde a tecnologia é uma extensão inevitável de nós mesmos? Talvez o limite da arte esteja mais ligado à intenção do que ao meio. Talvez ele resida no impacto emocional, na capacidade de provocar reflexão, ou na habilidade de traduzir o invisível em forma visível.

E, no fim, o que realmente importa: a origem da criação ou o impacto que ela deixa? A arte precisa ser definida por suas raízes ou pode existir apenas pelo que desperta em nós?

1* - O que é o chiaroscuro?

Chiaroscuro é uma técnica de pintura que foi estabelecida e se tornou famosa no período renascentista no século XV.
A técnica é sobre trabalhar com alto contraste entre luz e sombra e requer bom conhecimento de perspectiva, efeitos físicos da luz, brilho e até as tintas usadas. Em outras palavras, é muito complexo e técnica avançada com resultados impressionantes.

2* - A Art Nouveau é um movimento artístico que floresceu entre o final do século XIX e o início do século XX, caracterizado por seu estilo ornamental, curvilíneo e inspirado em formas naturais. O termo "Art Nouveau" significa "Arte Nova" em francês, refletindo a intenção do movimento de romper com as tradições clássicas e acadêmicas da arte, propondo algo inovador e contemporâneo para sua época.



sábado, 7 de junho de 2025

Woods of Ypres – Woods 5: Grey Skies & Electric Light (2012)

 


Woods of Ypres – Woods 5: Grey Skies & Electric Light é um álbum que se apresenta como uma das expressões mais sinceras e melancólicas dentro do metal contemporâneo. Lançado em 2012, após a morte prematura de David Gold, mente criativa e emocional da banda, o disco carrega um peso quase profético em suas letras e atmosferas. É como se cada faixa fosse escrita com a consciência do fim, envolta em uma névoa de reflexão sombria, aceitação e desencanto.

A sonoridade do álbum se distancia do black metal cru dos primeiros trabalhos da banda e mergulha de vez no Doom e no Gothic metal, com passagens melódicas e vocais predominantemente limpos. Há uma clareza na produção que não diminui o impacto das composições, mas ao contrário, expõe cada arranjo com precisão quase cirúrgica. O ritmo é lento, arrastado, como se cada acorde fosse uma etapa de um luto ainda em curso. A bateria, tocada pelo próprio Gold, é contida, cadenciada, marcada pela intenção emocional mais do que pela técnica.

Liricamente, o disco é um mergulho profundo nas fraturas da existência humana. Faixas como "Career Suicide (Is Not Real Suicide)" desafiam convenções e exploram a dor com uma franqueza desconfortável. Em "Adora Vivos", Gold implora que as pessoas valorizem os vivos em vez de apenas reverenciar os mortos, sugerindo uma crítica à forma como lidamos com a memória e o reconhecimento. "Lightning & Snow" abre o álbum com uma sensação de fúria resignada, enquanto "Finality" se aproxima de um tom quase espiritual, aceitando o fim com um misto de tristeza e paz.

O uso de instrumentos menos convencionais para o gênero, como oboé e violoncelo, adiciona uma dimensão atmosférica que eleva o disco a um patamar quase cinematográfico. As melodias são construídas com cuidado, muitas vezes repetitivas, criando um ciclo emocional que prende o ouvinte em uma espiral introspectiva. Cada faixa parece dialogar com a anterior, não apenas em tom, mas em conteúdo, criando um fio narrativo que transforma o álbum em uma jornada única, quase como uma carta aberta ao vazio

existencial que assombra cada gesto, cada decisão, cada silêncio. David Gold não escreve como um poeta que observa a tristeza de longe; ele a vive, a sussurra, a grita em cada verso. Em "Modern Life Architecture", por exemplo, há uma crítica dura à artificialidade das escolhas modernas, à maneira como construímos vidas em torno de metas vazias, esquecendo a essência do que nos torna humanos. Não há aqui redenção fácil, nem esperança camuflada apenas constatações amargas entregues com uma beleza fria e lúcida.

Os vocais de Gold oscilam entre o canto limpo, carregado de resignação, e momentos de gutural
controlado, usados com parcimônia, sempre a serviço da emoção. Essa escolha reforça o caráter meditativo do álbum, que parece mais interessado em fazer pensar do que em provocar. Há peso, sim, mas não aquele que se mede em distorção é o peso da existência, da perda, daquilo que nunca foi dito e agora não pode mais ser.

O equilíbrio entre melodia e desespero é cuidadosamente construído. "Kiss My Ashes (Goodbye)" talvez seja o exemplo mais forte dessa fusão: com seus mais de dez minutos, a música é dividida em duas partes que se complementam, como se narrassem um adeus em tempo real. O instrumental cresce, colapsa, silencia, enquanto a voz de Gold surge como uma presença fantasmal que ainda tenta se fazer ouvir entre as ruínas da memória.

É impossível ouvir esse álbum sem sentir a ausência presente de seu criador. "Woods 5" soa como uma despedida involuntária, mas estranhamente completa, como se tudo o que precisava ser dito já estivesse ali, selado em sons e palavras que ecoam com um tipo de dor que não busca consolo. E é justamente nessa crueza emocional que o álbum se torna tão singular. Ele não oferece alívio. Ele não se desculpa. Ele apenas permanece, como uma sombra persistente no canto da consciência uma sombra que não ameaça, mas também não consola. Ela apenas existe, como a verdade incômoda de que tudo é passageiro e de que o sentido, se existe, talvez esteja no ato de continuar apesar do vazio. "Woods 5: Grey Skies & Electric Light" não é um álbum para ouvir em qualquer momento. Ele exige entrega. Ele exige silêncio. É um trabalho que parece respirar junto com o ouvinte, cada batida lenta do bumbo se confundindo com o coração, cada riff carregado de luto se misturando às memórias pessoais de quem escuta.

Ao longo do álbum, David Gold nunca assume o papel de guia espiritual ou poeta redentor. Ele é mais um confidente que se senta ao lado do ouvinte à beira do abismo, compartilhando dúvidas, cansaços e pequenas epifanias sem a pretensão de resolvê-los. Em "Silver", por exemplo, há uma mistura de sarcasmo e melancolia enquanto ele canta sobre a futilidade das coisas que tentamos acumular para dar sentido às nossas vidas. A crítica está ali, mas sem agressividade é quase como se ele dissesse: “veja, eu também tentei”.

A estrutura das músicas reforça essa jornada emocional. Nada parece encaixado para agradar fórmulas
de mercado ou expectativa de fãs. Há faixas longas, com andamentos que não têm pressa, e há canções curtas, diretas, como lampejos de lucidez. A dualidade entre “Grey Skies” e “Electric Light” céu nublado e luz elétrica sintetiza essa tensão entre escuridão e artifício, entre natureza e tecnologia, entre sentimento e distração. O título do álbum, aliás, é um poema por si só, carregando uma ambiguidade que atravessa cada nota e cada silêncio do disco.

Em termos de legado, “Woods 5” se destaca como uma despedida artística raramente tão completa e autêntica. É difícil não pensar no álbum como uma espécie de epitáfio musical, um documento final de alguém que estava profundamente em contato com sua finitude e, ainda assim, decidido a registrar cada centímetro de sua dor, raiva e aceitação. O impacto do álbum vai além da sua sonoridade ou da sua importância dentro do metal ele toca em algo universal, atemporal. Ele fala da morte sim, mas principalmente da vida, do que ela pesa, do que ela exige, do que ela deixa quando termina.

“Woods 5: Grey Skies & Electric Light” é um espelho embaçado da alma humana, um relicário de pensamentos que muitos têm medo de formular em voz alta. Ele não pede desculpas por sua escuridão; ao contrário, a celebra. É um lembrete brutal de que a existência é frágil, muitas vezes absurda, e quase sempre marcada pela ausência de sentido, de tempo, de consolo.

A tragédia da morte de David Gold, ocorrida meses antes do lançamento do disco, não é apenas um fato biográfico, mas uma presença fantasmagórica que habita cada faixa. Ele morreu em um acidente de carro na véspera do Natal de 2011, aos 31 anos. A violência e a ironia dessa partida repentina apenas amplificam o eco existencial de suas composições, como se o próprio universo tivesse respondido à sua música com um silêncio definitivo.

E ainda assim, ele não se foi, não inteiramente. David Gold permanece vivo entre riffs arrastados e versos sussurrados com amargura serena. Sua voz continua a guiar os que buscam significado nas entrelinhas da dor, sua poesia continua a tocar os que se sentem deslocados em um mundo que gira rápido demais. A arte, como o amor e o luto, tem essa capacidade singular de resistir ao tempo e à ausência. Cada vez que esse álbum é ouvido, é como se David sentasse ao lado de alguém outra vez não para dar respostas, mas para lembrar que, mesmo nas paisagens mais nubladas, há beleza no gesto de olhar para o céu.

“Grey Skies & Electric Light” é, portanto, mais do que uma despedida. É uma permanência. Um testamento de que, enquanto houver alguém disposto a escutar, nenhuma voz se apaga por completo.

 


BANDCAMP


Evadne - The Fragile Light Of Fireflies (2025)


 
Evadne apresenta "The Fragile Light Of Fireflies", um álbum acústico onde melancolia e beleza se entrelaçam em uma jornada sonora intimista. Através de arranjos minimalistas e atmosferas etéreas, a banda reinterpreta e culmina seu trabalho anterior, "The Pale Light of Fireflies", com uma sensibilidade crua e evocativa.

O álbum conta com colaborações notáveis como Jaani Peuhu (Ianai, Mercury Circle, ex-Swallow The Sun), Mark Kelson (The Eternal), Carmelo Orlando (Novembre), Juan Escobar (Wooden Veins, Mar de Grises, Astor Voltaires), Carline Van Roos (Aythis, Lethian Dreams, Remembrance) e Natalia Drepina (Mourneress, Your Schizophrenia), trazendo novas dimensões emocionais à obra.

Mixado e masterizado no Pentasonic Studios por Sergio Peiró, o álbum se desdobra como uma peça delicada e profunda, onde cada acorde ressoa com a fragilidade da existência. A arte, criada por Natalia Drepina, reflete visualmente a essência etérea e introspectiva do álbum, capturando sua beleza melancólica. "The Fragile Light Of Fireflies" oferece aos ouvintes uma nova perspectiva sobre a essência de Evadne.

Ao despir suas composições até o âmago, Evadne revela nuances que antes se escondiam sob as camadas densas do doom melódico. Canções que antes rugiam com peso agora sussurram verdades profundas, transformando-se em confissões murmuradas ao ouvido do ouvinte. As vozes ganham um novo protagonismo, entrelaçando-se com harmonias acústicas que evocam paisagens desoladas, crepúsculos infinitos e a beleza silenciosa da solidão.

A presença dos convidados não apenas enriquece as texturas sonoras, mas aprofunda ainda mais o tom emocional da obra. Cada colaboração é um fio de luz tênue, que se junta ao brilho coletivo dessas pequenas "vaga-lumes" sonoras, iluminando a escuridão com uma luz tênue, porém constante. Há um senso de comunhão melancólica como se todos os artistas compartilhassem uma mesma dor, uma mesma lembrança que ecoa através do tempo.

Mais do que uma simples releitura, "The Fragile Light Of Fireflies" é um renascimento artístico e uma afirmação de que a força também reside na delicadeza, e que mesmo as sombras podem brilhar com intensidade própria. Neste trabalho, Evadne convida o ouvinte a desacelerar, escutar com o coração e permitir que cada nota, cada silêncio, revele algo sobre si mesmo.
Trata-se de um álbum feito para noites solitárias e almas sensíveis. Um tributo à vulnerabilidade, à memória e à beleza que persiste mesmo na mais tênue das luzes.

"The Fragile Light Of Fireflies" é mas uma experiência sensorial que convida à introspecção. Cada faixa surge como um suspiro suspenso no tempo, onde o som se transforma em paisagem e a emoção se desenha em formas quase tangíveis. Ao optar por uma abordagem acústica, Evadne rompe com a expectativa do peso tradicional do doom metal e, paradoxalmente, entrega um disco ainda mais devastador em sua honestidade emocional e ao final da audição, "The Fragile Light Of Fireflies" deixa uma impressão profunda e duradoura, como o brilho de uma lembrança que se recusa a desaparecer completamente. É um trabalho que exige atenção, entrega e, acima de tudo, vulnerabilidade. Evadne demonstra maturidade artística ao abrir mão da grandiosidade sonora para mergulhar no âmago da expressão humana.

Resenha por: Alessandro & Reinaldo

BANDCAMP



Calliophis - Liquid Darkness (Full-length 2021)

 


CALLIOPHIS é uma banda de Death Doom Metal de Leipzig/da Alemanha... que faz um ótimo trabalho ao equilibrar a tristeza pesada, a emoção crua e a melodia. Faixa favorita: Krakonoš....O terceiro álbum da banda alemã aprimora a essência do trabalho anterior, demonstrando da melhor forma o profissionalismo e a habilidade dos músicos em combinar um som denso e limpo com uma performance tecnicamente perfeita. Trata-se de doom death metal do mais alto padrão, cruel e barulhento, mas não desprovido de atmosfera e, principalmente, de individualidade e aura únicas. Música para uma audição reflexiva, para uma nova experiência de sentimentos interiores, complementada por um livreto de 16 páginas lindamente projetado para uma melhor dissolução nas profundezas majestosas de "Liquid Darkness".....Calliophis é uma banda de doom/death vinda da Alemanha e em 2021 eles estão de volta com seu terceiro álbum completo, “Liquid Darkness”. Embora elementos de ambos os subgêneros tenham sido entrelaçados na música, eu diria que a parte doom neste caso é o fator dominante, não apenas por causa do ritmo continuamente lento, mas também pelo foco pesado em harmonias tristes e uma atmosfera profunda e envolvente. Não estou familiarizado com nenhum de seus trabalhos anteriores, mas com base neste álbum, esses cavalheiros são especialistas quando se trata de criar música que é capaz de rastejar sob a pele do ouvinte e deixá-lo para trás com uma mistura de várias emoções.

 Os riffs neste disco são absolutamente montanhosos, altos e monótonos estrondos de desespero
chovendo sobre você. A atmosfera é assombrosa durante todo o tempo de execução de mais de uma hora, contando principalmente com melancolia e tristeza, proporcionadas pelas melodias cativantes das guitarras principais. As músicas frequentemente atingem o auge com as coisas explodindo em uma cacofonia de vocais estrondosos e guitarras contundentes, antes de conduzirem calmamente às seções seguintes. Algumas faixas fluem com uma distinta vibração de funeral doom, mas se expandem para um som absolutamente massivo com alguns riffs de ritmo mais rápido e batidas técnicas de bateria. O resultado final é nada menos que glória monolítica e deve satisfazer cada fã do gênero. A música é absolutamente comovente desde os primeiros momentos da faixa-título, com a grandiosidade prevalecendo em toda a obra, e uma vez que você deixa o álbum exercer seu feitiço sobre você, ele não o deixará ir antes que os últimos acordes tenham desaparecido.

 Calliophis cria um tom muito mais sombrio do que muitos artistas semelhantes, com linhas de guitarra lentas e depressivas apoiadas por acordes principais estridentes e a batida poderosa da seção rítmica. Sempre que eles aumentam o ritmo, eles atacam com alguns riffs de Death-Doom e um groove de andamento médio, combinando brilhantemente com o clima inquietante. Os vocais são realmente impressionantes, exibindo um tom emotivo que contrasta perfeitamente com a instrumentação sufocante. Apesar de as músicas frequentemente ultrapassarem a marca dos dez minutos, há bastante coisa acontecendo para manter o ouvinte engajado. O fluxo das faixas e de todo o álbum é quase impecável, e os Calliophis têm uma sensibilidade fantástica para trechos mais calmos e construídos, frequentemente usados no meio das músicas para criar alguns momentos de reflexão e imersão na névoa......Há muitos elementos louváveis, como as performances incrivelmente talentosas, a composição criativa e variada, bem como o som arrasador. A produção é mais ou menos perfeita e muito dinâmica. As guitarras soam crocantes sem ofuscar as melodias mais frágeis, a bateria tem um bom impacto e o baixo é alto o suficiente para ser reconhecido. Uma mixagem tão polida ajuda a captar cada detalhe e a concentrar-se nas diferentes camadas que fazem "Liquid Darkness" se destacar do resto. Se você procura uma trilha sonora adequada para os dias de outono que se aproximam, não hesite em conferir Calliophis. É provável que você encontre um álbum no qual se sinta totalmente imerso.

Resenha por : Alessandro

BANDCAMP




“Elder – Reflections of a Floating World (2017)

  “Reflections of a Floating World” marca um ponto de maturidade e expansão criativa na trajetória do Elder, consolidando a banda como uma ...