domingo, 10 de agosto de 2025

Sedness, Abriction - that lasts forever (2025)

 


 Sadness nasceu das mãos e da sensibilidade de Damián Ojeda, músico norte americano que construiu uma carreira singular fora dos grandes circuitos e longe de fórmulas comerciais, sua obra transita por um território híbrido onde o blackgaze, o post rock, o shoegaze e a música ambiente se encontram e se entrelaçam, criando paisagens sonoras que parecem vindas de um lugar onde a memória, a nostalgia e a melancolia se dissolvem em névoas de guitarra e reverberação, Damián é um criador incansável, capaz de lançar múltiplos trabalhos em um único ano sem abrir mão da profundidade e da honestidade artística, seu processo é solitário e artesanal, gravando e produzindo em espaços íntimos que se tornam laboratórios de emoção e textura, sua assinatura é reconhecida pela forma como combina intensidade abrasiva e delicadeza quase frágil, gerando uma atmosfera que prende o ouvinte em uma espécie de transe contemplativo

Abriction, por sua vez, é um projeto mais recente, mas que já carrega uma maturidade sonora rara, seu criador, igualmente dedicado a explorar emoções profundas por meio da música, constrói universos onde a amplidão e o silêncio têm tanto peso quanto as notas e as melodias, seu trabalho se apoia no shoegaze e no post rock, mas também bebe de fontes etéreas, criando composições que parecem suspensas no tempo, o foco está na construção de atmosferas amplas e sensíveis, com arranjos que abraçam o ouvinte e o conduzem a um estado de contemplação, há uma preocupação evidente com o detalhe e com a fluidez, como se cada faixa fosse um quadro pintado com camadas finas e translúcidas, sobrepostas até criar profundidade

Essa afinidade estética e emocional levou Sadness e Abriction a unirem forças no split That Lasts Forever, lançado em julho de 2025, a obra não se apresenta como a justaposição de dois estilos, mas como a fusão natural de duas linguagens que partem do mesmo ponto e caminham em direções paralelas, as seis faixas que compõem o álbum ultrapassam uma hora de duração e funcionam como capítulos de um mesmo livro, onde cada artista contribui com sua visão, mas ambos se encontram no terreno comum da melancolia bela e da emoção que transborda, Sadness oferece peças longas e expansivas como Glistening in the March Lowsun e I Left a Message for You, que alternam momentos de catarse com passagens íntimas e serenas, enquanto Abriction entrega composições igualmente densas e envolventes como The Light That Brims the Clouds e My Heart Is Your Home, em que a delicadeza melódica se equilibra com uma força interna quase invisível, mas sempre presente

O resultado é uma jornada sonora que convida o ouvinte a mergulhar sem pressa, o álbum não exige atenção, mas a conquista naturalmente, como uma conversa calma ao fim da tarde, as camadas instrumentais são construídas com paciência, criando transições que nunca soam abruptas, há uma sensação de continuidade que une todas as faixas, como se fossem parte de uma única e extensa peça, essa coesão é reforçada pela produção íntima e pelo cuidado com a dinâmica, onde o peso não é usado como choque, mas como elemento complementar à fragilidade

That Lasts Forever é mais do que um registro de colaboração, é um manifesto silencioso sobre afinidade artística, sobre como dois criadores, cada um com seu universo próprio, podem dialogar de forma tão profunda a ponto de dissolverem as fronteiras entre suas vozes, o álbum não busca o impacto imediato, mas a permanência, não se prende ao instante, mas ao que resiste ao tempo, e é justamente nessa resistência que reside sua força, pois ao final da última faixa, o que permanece não é apenas a lembrança da melodia, mas a sensação de ter habitado um lugar que continua vivo mesmo no silêncio que se segue.

Esse silêncio que se segue não é vazio, mas um espaço carregado de ressonâncias, como se as notas ainda vibrassem no ar e dentro de quem ouviu, é nesse intervalo que a música de Sadness e Abriction mostra sua verdadeira permanência, pois ela não se encerra no momento em que cessa o som, ela continua a se mover, a se transformar em memória sensorial, em fragmentos de imagens, em sentimentos que não se deixam traduzir em palavras, é uma presença que permanece de forma quase invisível, mas profundamente sentida

A natureza introspectiva de That Lasts Forever se manifesta não apenas no tom das composições, mas na maneira como cada faixa parece falar diretamente com a parte mais silenciosa de quem escuta, existe uma honestidade rara aqui, uma recusa em adornar ou dramatizar para agradar, a música segue seu próprio curso, lenta ou intensa conforme a necessidade da emoção que carrega, e essa liberdade de forma dá ao álbum um caráter quase orgânico, como se ele tivesse crescido sozinho, apenas orientado pelo instinto e pela sensibilidade de seus criadores

A união entre Sadness e Abriction também se revela como um gesto de confiança artística, pois ao compartilhar um espaço tão íntimo, ambos se permitem ser vulneráveis diante do outro e do público, não há disputa de protagonismo, não há necessidade de provar quem é mais intenso ou mais delicado, o que há é uma soma de forças que resulta em algo maior do que qualquer um dos dois poderia alcançar sozinho, é o tipo de encontro que não se planeja, mas que acontece quando dois caminhos criativos se cruzam no momento certo

O impacto desse trabalho sobre quem se dispõe a ouvi lo com atenção não se limita à experiência sonora, ele se infiltra no dia a dia, surgindo em lembranças aleatórias, em instantes de calma ou de turbulência, funcionando como um reflexo de estados de espírito que nem sempre conseguimos nomear, That Lasts Forever não é apenas um título, é uma promessa que o próprio álbum cumpre, um testemunho de que há músicas que resistem ao tempo porque carregam em si algo que o tempo não consegue corroer, algo que, mesmo em silêncio, continua a respirar dentro de cada lembrança que ele desperta, como um sopro discreto que mantém acesa a chama de uma emoção que não se apaga, esse respirar é o que mantém o álbum vivo mesmo quando não está sendo tocado, é o que faz com que, dias ou semanas depois, um fragmento de melodia ou uma sensação difusa volte à mente sem aviso, trazendo consigo a mesma atmosfera densa e reconfortante que marcou a primeira escuta

Esse fenômeno não é fruto do acaso, mas do cuidado meticuloso que Sadness e Abriction colocam em cada detalhe, há um entendimento profundo de que a música não precisa apenas preencher o espaço sonoro, ela precisa criar um espaço novo dentro do ouvinte, um lugar seguro onde se possa revisitar dores antigas, saudades e momentos de quietude sem que haja a urgência de superá los, aqui a tristeza não é um obstáculo, mas um terreno fértil para reflexão e beleza, cada acorde e cada pausa parecem desenhados para sustentar essa experiência

Com o tempo, percebe se que That Lasts Forever também funciona como um diálogo silencioso entre passado e presente, entre aquilo que se perdeu e aquilo que ainda pulsa, as faixas não se contentam em narrar sentimentos, elas os recriam, colocando o ouvinte no centro de um cenário sonoro que se molda conforme a sua própria história pessoal, é por isso que o álbum se adapta a diferentes momentos da vida, assumindo novas cores e significados a cada reencontro

Assim, o que permanece não é apenas a música gravada, mas a possibilidade infinita de que ela renasça em cada escuta, como se fosse a primeira vez, esse é o verdadeiro sentido de durar para sempre, não ser imutável, mas estar sempre pronto para se transformar junto com quem o acolhe, e nesse fluxo contínuo Sadness e Abriction constroem não apenas um registro fonográfico, mas uma obra viva, feita para existir tanto no som quanto no silêncio, tanto no instante quanto na memória, onde cada fragmento sonoro encontra um abrigo próprio, protegido das erosões do tempo e das distrações do cotidiano, é ali que That Lasts Forever se fortalece, porque a lembrança não o congela, mas o reinventa, recriando as cores, as texturas e até mesmo os sentimentos que ele provocou, às vezes com uma fidelidade quase fotográfica, outras vezes com a liberdade difusa dos sonhos, a memória trata o álbum como se fosse um objeto de afeto, guardando o essencial e permitindo que o restante se transforme, como a luz que muda de intensidade ao atravessar uma cortina

Essa presença constante na memória é o que torna o encontro entre Sadness e Abriction tão especial, pois não é uma música que se consome, é uma música que se carrega, que se leva para longe e que se deixa amadurecer junto com quem a escutou, há álbuns que brilham no instante e depois se apagam, mas este opta por outro caminho, preferindo se infiltrar devagar, quase despercebido, até se tornar parte da narrativa íntima de cada ouvinte

E talvez seja por isso que, mesmo quando o tempo avança e outras canções chegam para disputar espaço, That Lasts Forever continua ali, como um perfume reconhecível no ar, como uma lembrança que não pede licença para surgir, trazendo de volta aquela mistura precisa de melancolia e serenidade, e é nesse retorno que se entende que a obra não está apenas guardada na memória, ela vive nela, pulsando em silêncio, à espera de um novo instante para se revelar por inteiro, como se cada retorno fosse também uma despedida lenta, um reencontro que já nasce com o peso de saber que vai terminar, a música se derrama como um último raio de luz antes que a noite feche as cortinas, e o que fica é um frio silencioso, denso, que se infiltra pelas frestas da alma, é nesse ponto que o álbum deixa de ser apenas som e se torna ausência, como se cada acorde fosse a lembrança de algo que não volta, como se cada pausa fosse um aviso de que o vazio é inevitável, no fim That Lasts Forever não é apenas sobre o que dura, mas sobre a certeza cruel de que mesmo o que permanece, um dia, dentro de nós, se apaga devagar, até não restar nada além do eco distante de uma melodia que já não conseguimos ouvir, mas que ainda pesa, pesada como o silêncio que vem depois do último suspiro.


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