domingo, 7 de setembro de 2025

“Elder – Reflections of a Floating World (2017)


 

“Reflections of a Floating World” marca um ponto de maturidade e expansão criativa na trajetória do Elder, consolidando a banda como uma das mais inventivas dentro do espectro do rock psicodélico e progressivo contemporâneo. Lançado em 2017 por meio da Stickman Records na Europa e da Armageddon Label nos Estados Unidos, o quarto álbum de estúdio é uma obra que transcende rótulos fáceis, transitando entre a densidade do stoner, a amplitude exploratória do prog e a fluidez atmosférica do rock psicodélico.

As seis faixas, todas longas e de estrutura complexa, revelam um grupo que domina a arte da transição e do contraste. O trio central formado por Nicholas DiSalvo, Jack Donovan e Matt Couto apresenta uma coesão notável, com cada instrumento contribuindo para a construção de narrativas sonoras que se desdobram em camadas. O trabalho de DiSalvo nas guitarras e teclados é o eixo criativo, sempre conduzindo as composições de forma a equilibrar riffs pesados e melódicos com passagens etéreas e expansivas. O baixo de Donovan sustenta a amplitude dos arranjos com firmeza e groove, enquanto a bateria de Couto dá ao álbum um senso de movimento constante, alternando precisão técnica e força expressiva.

A inclusão dos músicos convidados Michael Risberg na guitarra e teclados e Michael Samos no pedal
steel foi crucial para ampliar a paleta sonora. O pedal steel, em particular, introduz uma dimensão inusitada, quase cósmica, que reforça o caráter flutuante e hipnótico do disco. Essa escolha demonstra a busca do Elder por um som não apenas mais denso, mas também mais texturizado, com camadas que se entrelaçam de forma orgânica.

Tecnicamente, “Reflections of a Floating World” impressiona pela produção clara e equilibrada, que consegue dar espaço a cada detalhe mesmo em meio à intensidade dos arranjos. As mudanças de andamento e dinâmica acontecem sem rupturas bruscas, o que reforça a habilidade do grupo em construir músicas de longa duração sem perder coesão ou propósito. Os momentos de improviso e jam são moldados com inteligência, permitindo tanto explosões catárticas quanto atmosferas meditativas.

O álbum reafirma a identidade do Elder como uma banda que não teme se reinventar dentro de seus próprios parâmetros. O caráter progressivo não se limita a referências técnicas, mas se traduz na maneira como as faixas parecem se expandir em todas as direções, sugerindo paisagens sonoras vastas e em constante mutação. “Reflections of a Floating World” é, portanto, mais do que uma coleção de músicas; é uma experiência auditiva que exige entrega total do ouvinte, recompensando-o com uma viagem musical intensa, ambiciosa e profundamente inspirada.

Sanctuary
A abertura do álbum já demonstra a ambição do Elder em trabalhar com amplitudes largas. A faixa se constrói a partir de riffs densos, que se alternam com passagens mais contemplativas, quase etéreas. O diálogo entre guitarras cria uma sensação de expansão constante, enquanto o teclado acrescenta texturas cósmicas que reforçam a atmosfera psicodélica. O baixo pulsa com firmeza, conectando os momentos de explosão e calmaria, enquanto a bateria conduz com variações que evitam qualquer linearidade. É um início grandioso, que posiciona o ouvinte dentro do universo sonoro flutuante proposto pela banda.

The Falling Veil
Aqui o Elder explora ainda mais o aspecto progressivo. A canção apresenta uma estrutura mutante, com mudanças de andamento que mantêm a narrativa sempre em evolução. Os riffs assumem uma função quase narrativa, alternando peso e melodia. O trabalho de teclado e guitarra adicional de Risberg amplia o espectro harmônico, criando momentos em que a música parece respirar, abrindo espaço para paisagens sonoras amplas. O pedal steel surge discretamente, adicionando um caráter etéreo, como se fosse um eco distante.

Staving Off Truth
Com um início mais direto e riffs mais marcantes, essa faixa introduz um senso de urgência dentro do álbum. A bateria de Couto é um ponto alto, conduzindo com energia e precisão, enquanto o baixo sustenta linhas sólidas que ancoram a complexidade melódica das guitarras. Os vocais aparecem como um elemento integrado à instrumentação, não como centro da faixa, mas como mais uma camada dentro da massa sonora. A densidade é equilibrada por interlúdios atmosféricos que evitam o desgaste e ampliam a dramaticidade.

Blind
Talvez a canção mais dinâmica do álbum, alterna momentos pesados com seções flutuantes que exploram bem a proposta psicodélica. O pedal steel aqui ganha maior protagonismo, criando um contraste belíssimo com os riffs de guitarra mais ásperos. A faixa se desdobra em uma narrativa longa, em que cada transição de tempo e dinâmica funciona como um capítulo de uma história maior. É uma das composições que melhor exemplificam a habilidade do Elder em unir força e delicadeza.

Sonntag
Funciona quase como um interlúdio instrumental e meditativo dentro do disco. Com forte influência do krautrock e da música ambiente, apresenta uma repetição hipnótica e camadas eletrônicas que sugerem uma suspensão temporal. É um momento de respiro essencial, que prepara o terreno para o encerramento grandioso. A peça mostra o quanto o Elder domina não apenas a linguagem do rock pesado, mas também a construção de atmosferas imersivas.

Thousand Hands
O encerramento é monumental, reunindo todos os elementos que permeiam o álbum. Longa e multifacetada, a faixa se inicia com riffs pesados e cresce em intensidade, alternando passagens de groove denso com seções atmosféricas expansivas. O teclado se integra de maneira natural às guitarras, criando uma tapeçaria sonora rica e cheia de movimento. A bateria mantém o equilíbrio entre força e sutileza, conduzindo a faixa rumo a um clímax arrebatador. É um fechamento à altura da proposta do álbum, deixando a sensação de que a jornada sonora continua ecoando mesmo após o silêncio final.

“Reflections of a Floating World” é um marco na discografia do Elder porque condensa toda a
trajetória da banda até então e a projeta para um território ainda mais expansivo. Nos primeiros trabalhos, como “Elder” (2009) e “Dead Roots Stirring” (2011), o grupo já demonstrava habilidade em criar composições longas, carregadas de riffs densos e atmosfera psicodélica. Com “Lore” (2015), essa proposta foi elevada a um nível mais progressivo, estruturando faixas como verdadeiras narrativas musicais. Em “Reflections”, contudo, a banda atinge uma síntese notável: o peso característico permanece, mas há um refinamento nas transições, maior clareza na produção e uma paleta de timbres enriquecida pela participação dos músicos convidados.

A evolução se percebe especialmente na forma como o Elder lida com a dinâmica e a textura. As guitarras de Nicholas DiSalvo não são apenas veículos de riffs pesados, mas exploram espaços melódicos, harmonias expansivas e diálogos sutis com teclados e pedal steel. O baixo de Jack Donovan ganha importância ao sustentar passagens mais etéreas sem perder densidade, e a bateria de Matt Couto revela maturidade ao variar entre explosões vigorosas e conduções mais contidas, sempre em função do clima da faixa.

Outro aspecto notável é a produção, que consegue equilibrar clareza e força. Cada instrumento encontra espaço na mixagem, mesmo nos momentos de maior densidade. A escolha de timbres é fundamental para o caráter flutuante do disco, em que os contrastes entre passagens atmosféricas e seções pesadas se integram de maneira natural. O uso do pedal steel por Michael Samos adiciona uma camada inédita na sonoridade da banda, criando texturas quase espaciais que ampliam a noção de profundidade.

Do ponto de vista estrutural, o álbum demonstra um domínio crescente sobre composições de longa duração. Não há repetições gratuitas: cada trecho cumpre a função de expandir ou transformar o material temático, o que mantém o ouvinte em constante movimento. Essa habilidade é própria de grupos progressivos, mas o Elder a aplica sem perder a visceralidade do stoner e a atmosfera lisérgica do rock psicodélico.

Em termos técnicos, “Reflections of a Floating World” se sustenta pela integração entre complexidade e acessibilidade. As métricas alternadas, os riffs intricados e os arranjos multifacetados convivem com melodias memoráveis e momentos de pura contemplação. Esse equilíbrio é o que faz do álbum não apenas uma obra para ouvintes especializados em música progressiva, mas também uma experiência cativante para qualquer público disposto a mergulhar em um som que privilegia tanto a força quanto a beleza.

No resultado final, Elder entrega um trabalho que alia virtuosismo instrumental, consciência estética e identidade consolidada. “Reflections of a Floating World” não é apenas a reafirmação de uma fórmula, mas a expansão de um horizonte musical que coloca a banda entre os nomes mais consistentes e relevantes da cena psicodélica e progressiva do século XXI.


BANDCAMP



Blackwater Holylight – If You Only Knew (EP, 2025)

 



Há bandas que constroem sua identidade na grandiosidade dos álbuns longos, e outras que encontram no formato curto a chance de revelar um retrato direto, quase cru, de quem são naquele momento. O novo EP do Blackwater Holylight, If You Only Knew, lançado em abril de 2025 pela Suicide Squeeze, é exatamente isso: um mergulho breve, mas intenso, em quatro canções que transitam entre melancolia, peso e uma espécie de catarse coletiva que só a banda parece dominar.

Desde sua estreia, o quarteto de Portland se destacou pela habilidade de equilibrar contrastes riffs densos que parecem ruir montanhas convivem lado a lado com melodias vocais frágeis, quase confessionais. Aqui, esse jogo se intensifica: cada faixa parece falar tanto do enfrentamento individual quanto da partilha universal das incertezas.

Wandering Lost” abre o disco com a força de um ritual. Um piano etéreo e a voz delicada de Sunny Farris convidam para um espaço de contemplação, mas logo a música se ergue como uma onda: guitarras carregadas de fuzz e uma bateria monumental transformam a tristeza em energia coletiva. É o tipo de canção que parece nascer da dor, mas se transforma em comunhão.

Na sequência, “Torn Reckless” mergulha no território do shoegaze e do dream-pop, deixando que camadas de guitarras envolvam o ouvinte como uma névoa elétrica. A voz surge em meio ao turbilhão, às vezes quase apagada pela parede sonora, reforçando a sensação de dúvida e transição que a letra sugere. É como estar diante de uma porta que se abre para algo desconhecido: hesitação e fascínio em igual medida.

Virando o lado, “Fate Is Forward” mostra a banda brincando com a dinâmica do alt-rock dos anos 90, alternando calmaria e explosão. É talvez a faixa mais terrena do EP, com uma energia quase grunge, mas ainda marcada pelo refinamento atmosférico que é assinatura do grupo. A letra fala sobre aceitar que certos obstáculos são intransponíveis e que, em vez de insistir, é preciso aprender a seguir em frente uma mensagem que ecoa de forma simples, mas poderosa.

O encerramento vem com uma ousadia: uma versão de “All I Need”, clássico do Radiohead. Em vez de reproduzir a intensidade claustrofóbica do original, o Blackwater Holylight expande a canção para um horizonte mais amplo, feito de drones, camadas hipnóticas e uma sensação de desespero que não sufoca, mas envolve. É um tributo respeitoso e, ao mesmo tempo, uma afirmação de identidade prova de que a banda não teme dialogar com gigantes, mas o faz à sua maneira.

Na produção, as escolhas também reforçam os contrastes: as duas primeiras músicas, sob comando de
Sonny DiPerri, soam mais polidas e envoltas em reverberações, enquanto as últimas, registradas com Dave Schiffman, têm pegada mais direta e crua. Essa divisão não quebra a unidade; pelo contrário, dá ao EP duas faces complementares, como se mostrasse o grupo em dois espelhos diferentes.

No fim, If You Only Knew é menos sobre respostas e mais sobre perguntas. É um trabalho que respira incerteza, transição e vulnerabilidade, mas que também ergue muralhas sonoras para transformar fragilidade em força. Em apenas quatro músicas, o Blackwater Holylight reafirma o que já sabíamos que é uma das bandas mais singulares da cena atual e insinua que o futuro ainda guarda caminhos inesperados.

Nota pessoal: um trabalho curto, mas profundo, que deixa o ouvinte em suspensão. Um passo corajoso que merece ser ouvido de olhos fechados e coração aberto.


BANDCAMP



quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Svalbard – Ecos de Emoção e Fúria de Bristol para o Mundo

 


No coração cinzento de Bristol, Inglaterra, em 2011, nasceu uma banda que transformaria dor em catarse, melancolia em energia visceral e esperança em melodia. Svalbard surgiu como um grito de autenticidade em meio ao caos do pós-hardcore, do blackened hardcore e do post-metal, carregando no nome a referência ao arquipélago gelado da obra His Dark Materials, de Philip Pullman, símbolo de isolamento e beleza selvagem exatamente como a música que criariam.

À frente dessa jornada está Serena Cherry, guitarrista e vocalista, cuja voz alterna entre a fúria cortante e a fragilidade emocional, conduzindo as letras que refletem dilemas existenciais, dor pessoal e crítica social. Ao seu lado, Liam Phelan, também guitarrista e vocalista, complementa o peso emocional com riffs densos e linhas melódicas que cortam como lâminas no frio ártico. Mark Lilley, na bateria, é o coração pulsante que dita o ritmo entre explosões sonoras e silêncios carregados de tensão. E desde 2020, Matt Francis se uniu ao grupo, trazendo linhas de baixo que ecoam como trovões em um céu carregado de tempestade.

Uma curiosidade que revela a essência da banda é que Serena Cherry, além de musicista, é apaixonada por videogames e cultura geek, e essa influência aparece em atmosferas de algumas composições lembrando mundos distantes e paisagens emocionais cinematográficas.

A sonoridade de Svalbard é como uma tormenta que se aproxima lentamente, trazendo consigo uma mistura de angústia, força e uma beleza quase trágica. Cada acorde parece conter fragmentos de confissão, como se as músicas fossem cartas escritas no meio da noite, entre o peso do mundo e a vontade de seguir respirando.

Nos palcos, a banda não apenas toca, mas vive suas canções. Serena Cherry fecha os olhos e deixa que as palavras cortem o ar, enquanto Liam Phelan guia os riffs como lâminas incandescentes, cruzando entre o caos e a melodia. Mark Lilley, com suas batidas precisas e viscerais, sustenta cada mudança de atmosfera, enquanto Matt Francis adiciona uma base que pulsa como um coração inquieto prestes a explodir.

Mais do que notas, Svalbard constrói paisagens sonoras que falam de vulnerabilidade, resistência e do encontro entre dor e esperança. Não há espaço para superficialidade; tudo é intenso, sincero, sem filtros.

Os temas que percorrem as canções de Svalbard não são apenas melodias pesadas acompanhadas de
gritos intensos; são manifestos de dor humana, lamentos sociais e reflexões íntimas sobre o peso da existência. As letras falam de desigualdade, da luta interna contra os fantasmas da mente e da urgência de encontrar significado em meio ao caos que nos cerca.

Cada verso parece carregado de um desespero que não pede piedade, mas compreensão. Serena escreve como quem sangra sobre o papel, e quando sua voz ecoa, é impossível não sentir que ali existe mais do que música existe verdade. Liam, com sua guitarra, responde a essas emoções como se cada nota fosse uma ferida aberta que se recusa a cicatrizar.

A atmosfera que a banda cria é quase cinematográfica, transportando o ouvinte para lugares de sombra e luz, frio e calor, desespero e libertação. Há algo de libertador na forma como o som atinge o coração, como se a dor se transformasse em algo belo, algo que conecta pessoas que talvez jamais se encontrariam de outra forma.

Nos shows, essa conexão se torna visceral. As luzes baixas, o público em transe, as guitarras ecoando como trovões cortando a noite tudo cria uma experiência que transcende o conceito de apresentação musical. É mais como uma catarse coletiva, onde cada pessoa deixa algo de si naquele momento, levando consigo uma parte da intensidade que presenciou.

Svalbard continua escrevendo sua história, expandindo sua presença e criando um legado que não se limita ao som, mas à experiência emocional que oferece a quem ousa escutar.

A trajetória de Svalbard se entrelaça com sua discografia, cada lançamento funcionando como um capítulo visceral de crescimento e amadurecimento musical.

O primeiro marco foi o EP “Svalbard” (2012), seguido por “Gone Tomorrow” e “Flightless Birds” (2013), trabalhos que apresentaram uma sonoridade crua, quase urgente, como se a banda estivesse testando os limites de seu próprio caos sonoro. Esses primeiros registros abriram espaço para uma base de fãs que reconhecia, desde cedo, que havia algo de genuíno e brutalmente honesto em sua música.

Com o tempo, a fúria ganhou contornos mais atmosféricos e emocionais, culminando no álbum de estreia “One Day All This Will End” (2015) – um trabalho que não apenas consolidou a banda na cena underground britânica, mas que também expôs uma vulnerabilidade melódica até então apenas sugerida nos EPs.

Três anos depois, em “It’s Hard to Have Hope” (2018), o grupo mostrou-se mais maduro e direto, entregando letras afiadas que criticavam injustiças sociais, desigualdade de gênero e a mercantilização do sofrimento humano. Foi um disco que uniu crítica social e introspecção emocional, demonstrando coragem para falar de feridas abertas tanto no indivíduo quanto na sociedade.

Em 2020, com “When I Die, Will I Get Better?”, Svalbard mergulhou ainda mais fundo na fusão de post-metal, hardcore e shoegaze, entregando um álbum melancólico, pesado e, ao mesmo tempo, poeticamente belo. Foi nesse período que o baixista Matt Francis entrou oficialmente para a banda, trazendo novas texturas e profundidade sonora.

O ápice da produção veio em 2023, com “The Weight of the Mask”, álbum lançado sob o selo da
renomada Nuclear Blast Records, uma das maiores gravadoras do mundo no segmento de metal. Essa assinatura marcou não apenas o reconhecimento do talento da banda, mas também o alcance de novos patamares de visibilidade, levando seu som a públicos que jamais haviam sido tocados por sua mistura de brutalidade e lirismo.

Cada disco carrega uma identidade própria, mas todos compartilham a mesma essência: intensidade emocional, peso catártico e uma busca incessante por transformar dor em arte que ecoa como um grito de resistência contra o vazio e a indiferença do mundo. A crítica especializada logo percebeu que Svalbard não era apenas mais uma banda dentro da cena pesada; havia algo de profundamente humano na forma como suas composições transcendiam os limites do gênero, equilibrando a agressividade do hardcore com passagens melancólicas que beiram o post-rock.

Com “One Day All This Will End”, muitos jornalistas destacaram como o álbum parecia narrar o fim inevitável de algo precioso, mas com a esperança de que, na destruição, também se encontra renascimento. Já em “It’s Hard to Have Hope”, o choque veio pelo lirismo cru das letras, que denunciavam injustiças sem perder o senso poético. Foi um disco que dividiu opiniões apenas pela coragem de falar de temas que muitos preferem ignorar.

Quando lançaram “When I Die, Will I Get Better?”, críticas ao redor do mundo elogiaram a ousadia em fundir peso e melancolia de forma quase hipnótica, com passagens instrumentais que pareciam convidar o ouvinte a caminhar por paisagens de introspecção. E, finalmente, “The Weight of the Mask” trouxe maturidade e uma produção impecável graças ao suporte da Nuclear Blast, consolidando Svalbard como um dos nomes mais respeitados do metal moderno.

Mas, além da crítica, foi o público que abraçou a banda de forma mais intensa. Cada show tornou-se um encontro emocional, cada álbum, uma espécie de diário coletivo onde milhares de pessoas encontram suas próprias histórias nas letras, suas próprias batalhas nos riffs, seus próprios silêncios nas pausas entre uma nota e outra camada de significado surge para aqueles que se permitem mergulhar além da superfície sonora. As letras deixam de ser apenas palavras gritadas no caos e tornam-se confissões, manifestos de resistência e reflexões íntimas sobre a fragilidade humana. Cada faixa é quase uma janela para um mundo particular, onde dor, esperança e catarse coexistem de forma brutalmente bela.

Nos bastidores, o processo criativo da banda é tão intenso quanto o resultado final. Serena Cherry costuma falar sobre como as ideias para as letras muitas vezes nascem de momentos de profunda solidão, enquanto Liam Phelan transforma essas emoções em melodias que oscilam entre a fúria e a contemplação. Mark Lilley, com sua precisão na bateria, cria a espinha dorsal que mantém tudo coeso, enquanto Matt Francis acrescenta linhas de baixo que vibram como pulsações de algo vivo, orgânico, quase humano.

Essa intensidade se traduz no palco, onde cada apresentação é uma experiência que mistura arte, desabafo e comunhão. O público não apenas assiste; sente. Cada acorde reverbera como se fosse parte de uma memória compartilhada, como se, por alguns minutos, ninguém estivesse sozinho diante do peso do mundo.

O Crepúsculo de Svalbard: Uma despedida que Ecoa

Há momentos na vida em que a intensidade de uma existência não pode ser medida apenas pelo tempo
que se passou, mas pelo impacto que deixou em cada alma que tocou. O fim da banda Svalbard é exatamente assim: não é apenas o encerramento de um ciclo musical, mas a conclusão de um capítulo emocional profundo, tanto para os músicos quanto para todos que caminharam ao lado deles através das notas, das letras e do caos silencioso que cada canção carregava.

Anunciar o término de algo que se construiu com tanta sinceridade é um ato de coragem. Svalbard sempre se manteve fiel à autenticidade de sua arte; nunca se curvou a convenções ou fórmulas fáceis, e isso exigiu deles uma entrega total. Cada riff, cada batida, cada grito e cada suspiro era uma extensão do que sentiam, de suas frustrações, esperanças e reflexões. O fim da banda não apaga tudo isso; pelo contrário, dá forma definitiva a um legado que continuará vivo na memória de quem ouviu, assistiu, chorou ou se encontrou em suas músicas.

Para aqueles que os seguiram desde os primeiros EPs, a notícia é agridoce. Existe a tristeza inevitável de saber que os palcos já não ecoarão suas melodias, que novas músicas não nascerão do mesmo caldeirão emocional compartilhado. Mas também existe um certo alívio, um respeito profundo pela decisão da banda de encerrar em seus próprios termos, mantendo a integridade artística e evitando o desgaste criativo que tantas outras histórias já testemunharam. É um adeus consciente, um gesto de amor e de cuidado com o que sempre foi mais importante: a arte.

O que torna este fim ainda mais humano é a clareza com que os membros demonstraram que não há rancor nem animosidade. Serena Cherry, Liam Phelan, Mark Lilley e Matt Francis não se despedem por conflitos internos, mas por um entendimento coletivo de que cada jornada tem seu ciclo. A banda se despede como quem encerra um diário com páginas ainda em branco, consciente de que cada capítulo anterior permanecerá vivo, inalterável, como uma obra completa.

E, mesmo em meio à melancolia, o fim também é fertilidade. O encerramento de Svalbard abre espaço para novas ideias, novas sonoridades, novos projetos. Serena Cherry continua explorando horizontes paralelos com seu projeto Noctule, mergulhando no black metal e trazendo camadas ainda mais densas de emoção e imaginação. Cada membro da banda carrega consigo a experiência acumulada, pronta para se transformar em novos caminhos criativos, individuais e coletivos, que ainda estão por vir.


O fim de Svalbard, portanto, não é uma simples ruptura; é a culminação de uma viagem intensa e memorável, um ponto de reflexão sobre o peso da arte, sobre como a música pode ser simultaneamente brutal e bela, desoladora e curativa. É um lembrete de que toda experiência, por mais efêmera que pareça, deixa marcas indeléveis, e que a memória do que foi criado pode ser tão poderosa quanto o ato de criar em si.

E assim, enquanto os palcos se preparam para a última turnê, enquanto cada nota final ressoa nos corações de fãs ao redor do mundo, o legado de Svalbard permanece: uma força silenciosa e arrebatadora, um eco de dor transformada em beleza, uma lembrança de que mesmo o adeus pode ser, em si, um ato de amor profundo.

E então chega o momento que todos aguardavam e temiam: a última turnê de Svalbard. Cada cidade visitada não é apenas um ponto no mapa, mas um ritual de despedida. Glasgow, Manchester, Newcastle, Bristol e Londres se transformam em templos onde a música se eleva além do som, tornando-se memória viva, quase tangível. Os fãs chegam cedo, alguns com lágrimas nos olhos, outros apenas em silêncio absoluto, conscientes de que estão prestes a testemunhar o encerramento de uma era.

O palco se ilumina e a energia acumulada ao longo de anos explode. Cada acorde parece ecoar a história da banda, cada batida de Mark Lilley como o coração pulsante de todos presentes, cada riff de Liam e Serena carregado de emoção e força. Matt Francis sustenta a profundidade da música, transformando o baixo em ponte entre a visceralidade do hardcore e a melancolia do post-metal. Não é apenas uma apresentação; é um adeus que se vive, sente-se e se compartilha, como se a música fosse capaz de congelar o tempo e encapsular todas as emoções que atravessaram a trajetória da banda.

E no meio dessa intensidade surge o single final, lançado como um epílogo musical, carregado de simbolismo e poesia. Não é apenas uma faixa; é a síntese de tudo que Svalbard representa: dor transformada em beleza, fragilidade que se torna força, despedida que também é esperança. Cada nota parece dialogar com quem a escuta, lembrando que mesmo quando algo termina, permanece uma parte viva dentro de cada um que se permitiu sentir.

Os momentos finais da turnê são quase sagrados. As músicas antigas ganham novas cores, as letras ecoam com mais força, e o público participa de um rito coletivo de memória e catarse. Entre aplausos e silêncios reverentes, risos e lágrimas, percebe-se que Svalbard construiu mais do que uma discografia; criou uma experiência emocional que transcenderá o tempo e se manterá viva naqueles que se conectaram com sua arte.

E, finalmente, quando as luzes se apagam e o último acorde se dissipa no ar, fica aquele silêncio que pesa e acalenta ao mesmo tempo. Há uma tristeza inevitável — o vazio deixado pelos palcos que não se iluminarão mais, pelos riffs que não ecoarão novamente, pelas palavras que não serão mais cantadas sob a mesma intensidade visceral. É o fim de um ciclo que marcou profundamente todos que cruzaram o caminho de Svalbard.

Mas, junto à melancolia, existe uma alegria silenciosa e profunda. Alegria por ter testemunhado a existência de uma banda tão verdadeira, tão intensa, tão grandiosa em sua sinceridade artística. Alegria por cada momento em que a música tocou a alma, por cada verso que se tornou parte da própria história de alguém, por cada conexão emocional construída entre palco e público, entre os membros da banda e aqueles que os acompanharam.

O legado de Svalbard não se mede em datas ou em números de álbuns, mas na forma como transformou experiências individuais em algo coletivo, na capacidade de fazer sentir profundamente, de unir dor e beleza, raiva e ternura, caos e esperança. A banda se vai, mas a memória de sua arte permanece imortal, pulsando nos corações daqueles que a ouviram e aprenderam a se reconhecer nela.

E assim, mesmo com a tristeza do adeus, resta a certeza de que Svalbard existiu e que essa existência, tão intensa e verdadeira, continuará a iluminar a vida de todos que se permitiram sentir seu impacto. É um fim que dói, mas que também celebra a grandiosidade de algo que foi, e sempre será, inesquecível.

Svalbard não foi apenas uma banda; foi um refúgio, um farol na escuridão, um espaço onde a dor podia ser compartilhada e transformada em beleza. A lembrança de sua existência inspira coragem para sentir, para enfrentar, para resistir, e para encontrar poesia mesmo nos momentos mais sombrios.

E assim, mesmo com o peso da despedida, permanece a alegria serena de saber que algo tão grandioso existiu, que alguém teve a chance de viver cada instante dessa arte visceral e verdadeira. Svalbard pode ter chegado ao fim, mas o que criou continuará a ecoar, eterno, nos corações e nas memórias de todos que se permitiram sentir sua força e sua verdade.

Fim.

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segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Mortem Solis – Hermetic (2025)

 

 Entre o silêncio e a fragilidade da esperança

O Mortem Solis é um projeto solo nascido em São Paulo, idealizado pela artista conhecida como Null. Desde a sua origem em 2023, o projeto se consolidou como uma das vozes mais autênticas do underground nacional, carregando em sua essência o peso do black metal cru e a introspecção quase ritualística de atmosferas obscuras.Ao contrário de muitos grupos que se apoiam na coletividade, o Mortem Solis sempre foi a expressão individual de uma só mente. Null Mortem transforma isolamento em linguagem, convertendo silêncio, dor e espiritualidade em música. Essa solidão não é uma fraqueza é a força motriz que dá identidade ao projeto.A estreia se deu com a demo “Lamentos do Alvorecer”, lançada em formato digital e posteriormente em fita cassete, já revelando a proposta de sonoridade lo-fi, repleta de melodias frias e letras mergulhadas na melancolia. Aos poucos, a sonoridade foi se expandindo para incluir nuances mais atmosféricas, mantendo sempre o caráter cru e direto.

Entre 2024 e 2025, Mortem Solis amadureceu artisticamente com singles como “The Hermit Song”, “O Eterno Se Esvai…” e “Fragile Hope”, preparando terreno para a obra mais ambiciosa: o álbum de estreia “Hermetic”, lançado em julho de 2025.

“Hermetic” não é apenas um registro musical  é um manifesto existencial. Aqui, Null apresenta não só composições, mas também uma cartografia da alma em conflito, um mapa onde solidão, morte e esperança rarefeita se entrelaçam.

A jornada começa com “Nós, Pássaros Cadavéricos”, uma introdução breve que parece um grito de corpos que insistem em voar mesmo após a morte. É um prólogo sombrio, quase um rito de abertura, que avisa: a partir daqui, não se volta mais.

Em seguida, “O Eterno Se Esvai...” mergulha no tema da finitude, traduzindo em som o desgaste do tempo e a inevitabilidade do fim. O riff carrega o peso do desmoronar, enquanto a voz distante ecoa como se fosse já um espectro.

“The Hermit Song”, lançada como single meses antes, é a peça central conceitual do disco. A figura do
eremita surge como guia e espelho: aquele que se afasta do mundo não por covardia, mas por sabedoria. É uma faixa meditativa, onde a atmosfera se sobrepõe à brutalidade, e a solidão ganha contornos quase sagrados.

A quarta faixa, “Anunciadora da Morte”, devolve o ouvinte à agressividade e ao frio cortante do Black Metal cru. É um aviso, uma presença inevitável, como a sombra que se projeta antes que a lâmina caia.

E então chegamos a “Eco do Silêncio”, o momento mais longo e profundo do álbum. Aqui o vazio é tratado como entidade. Não é apenas a ausência de som, mas uma presença sufocante, uma força que molda e oprime. A cada verso, a cada riff dilatado, o silêncio se torna um personagem vivo, conduzindo o ouvinte a confrontar sua própria solitude.

Após o mergulho profundo em “Eco do Silêncio”, o álbum se abre para “Fragile Hope”, uma das faixas mais contrastantes de todo o trabalho. Se até então Mortem Solis havia se debruçado sobre a morte, o isolamento e o vazio, aqui encontramos uma fagulha quase improvável a fragilidade da esperança. Mas é importante frisar não se trata de uma esperança solar, redentora ou triunfante. É uma chama que treme diante do vento, uma centelha que sobrevive apesar do peso esmagador do mundo. Musicalmente, essa dualidade se traduz em passagens melódicas mais delicadas que se enroscam em guitarras ásperas, como se a própria música lutasse para permanecer de pé.

Na sequência, “Ode to Melancholy” surge como um fechamento simbólico. Ao optar por encerrar o álbum com uma ode à melancolia, Null reforça a linha mestra do projeto: a aceitação da tristeza como parte intrínseca da existência. Não há aqui a tentativa de escapar da dor, mas de compreendê-la, quase reverenciá-la. A escolha de encerrar com um cover também sugere um diálogo, uma ponte entre a criação autoral e a tradição, como se Mortem Solis estivesse inserindo sua voz em uma corrente mais ampla da arte sombria.

Com isso, “Hermetic” se estabelece não apenas como um disco de estreia, mas como um marco conceitual dentro da trajetória da banda. Cada faixa funciona como um capítulo, cada letra como fragmento de um livro sagrado escrito em sombras. O álbum não busca agradar ou entreter ele exige entrega total, quase como um ritual.

Mas ainda resta aprofundar algumas camadas dessa banda , assim  como a estética visual dialoga com as músicas, de que forma a produção lo-fi contribui para a autenticidade da obra, e como esse trabalho se insere no cenário do Black Metal contemporâneo.

Deixe-se atravessar por esse silêncio. Permita que a melancolia encontre morada. Conheça Mortem Solis e talvez descubra, no eco de suas músicas, uma parte adormecida de si mesmo.


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domingo, 10 de agosto de 2025

Sedness, Abriction - that lasts forever (2025)

 


 Sadness nasceu das mãos e da sensibilidade de Damián Ojeda, músico norte americano que construiu uma carreira singular fora dos grandes circuitos e longe de fórmulas comerciais, sua obra transita por um território híbrido onde o blackgaze, o post rock, o shoegaze e a música ambiente se encontram e se entrelaçam, criando paisagens sonoras que parecem vindas de um lugar onde a memória, a nostalgia e a melancolia se dissolvem em névoas de guitarra e reverberação, Damián é um criador incansável, capaz de lançar múltiplos trabalhos em um único ano sem abrir mão da profundidade e da honestidade artística, seu processo é solitário e artesanal, gravando e produzindo em espaços íntimos que se tornam laboratórios de emoção e textura, sua assinatura é reconhecida pela forma como combina intensidade abrasiva e delicadeza quase frágil, gerando uma atmosfera que prende o ouvinte em uma espécie de transe contemplativo

Abriction, por sua vez, é um projeto mais recente, mas que já carrega uma maturidade sonora rara, seu criador, igualmente dedicado a explorar emoções profundas por meio da música, constrói universos onde a amplidão e o silêncio têm tanto peso quanto as notas e as melodias, seu trabalho se apoia no shoegaze e no post rock, mas também bebe de fontes etéreas, criando composições que parecem suspensas no tempo, o foco está na construção de atmosferas amplas e sensíveis, com arranjos que abraçam o ouvinte e o conduzem a um estado de contemplação, há uma preocupação evidente com o detalhe e com a fluidez, como se cada faixa fosse um quadro pintado com camadas finas e translúcidas, sobrepostas até criar profundidade

Essa afinidade estética e emocional levou Sadness e Abriction a unirem forças no split That Lasts Forever, lançado em julho de 2025, a obra não se apresenta como a justaposição de dois estilos, mas como a fusão natural de duas linguagens que partem do mesmo ponto e caminham em direções paralelas, as seis faixas que compõem o álbum ultrapassam uma hora de duração e funcionam como capítulos de um mesmo livro, onde cada artista contribui com sua visão, mas ambos se encontram no terreno comum da melancolia bela e da emoção que transborda, Sadness oferece peças longas e expansivas como Glistening in the March Lowsun e I Left a Message for You, que alternam momentos de catarse com passagens íntimas e serenas, enquanto Abriction entrega composições igualmente densas e envolventes como The Light That Brims the Clouds e My Heart Is Your Home, em que a delicadeza melódica se equilibra com uma força interna quase invisível, mas sempre presente

O resultado é uma jornada sonora que convida o ouvinte a mergulhar sem pressa, o álbum não exige atenção, mas a conquista naturalmente, como uma conversa calma ao fim da tarde, as camadas instrumentais são construídas com paciência, criando transições que nunca soam abruptas, há uma sensação de continuidade que une todas as faixas, como se fossem parte de uma única e extensa peça, essa coesão é reforçada pela produção íntima e pelo cuidado com a dinâmica, onde o peso não é usado como choque, mas como elemento complementar à fragilidade

That Lasts Forever é mais do que um registro de colaboração, é um manifesto silencioso sobre afinidade artística, sobre como dois criadores, cada um com seu universo próprio, podem dialogar de forma tão profunda a ponto de dissolverem as fronteiras entre suas vozes, o álbum não busca o impacto imediato, mas a permanência, não se prende ao instante, mas ao que resiste ao tempo, e é justamente nessa resistência que reside sua força, pois ao final da última faixa, o que permanece não é apenas a lembrança da melodia, mas a sensação de ter habitado um lugar que continua vivo mesmo no silêncio que se segue.

Esse silêncio que se segue não é vazio, mas um espaço carregado de ressonâncias, como se as notas ainda vibrassem no ar e dentro de quem ouviu, é nesse intervalo que a música de Sadness e Abriction mostra sua verdadeira permanência, pois ela não se encerra no momento em que cessa o som, ela continua a se mover, a se transformar em memória sensorial, em fragmentos de imagens, em sentimentos que não se deixam traduzir em palavras, é uma presença que permanece de forma quase invisível, mas profundamente sentida

A natureza introspectiva de That Lasts Forever se manifesta não apenas no tom das composições, mas na maneira como cada faixa parece falar diretamente com a parte mais silenciosa de quem escuta, existe uma honestidade rara aqui, uma recusa em adornar ou dramatizar para agradar, a música segue seu próprio curso, lenta ou intensa conforme a necessidade da emoção que carrega, e essa liberdade de forma dá ao álbum um caráter quase orgânico, como se ele tivesse crescido sozinho, apenas orientado pelo instinto e pela sensibilidade de seus criadores

A união entre Sadness e Abriction também se revela como um gesto de confiança artística, pois ao compartilhar um espaço tão íntimo, ambos se permitem ser vulneráveis diante do outro e do público, não há disputa de protagonismo, não há necessidade de provar quem é mais intenso ou mais delicado, o que há é uma soma de forças que resulta em algo maior do que qualquer um dos dois poderia alcançar sozinho, é o tipo de encontro que não se planeja, mas que acontece quando dois caminhos criativos se cruzam no momento certo

O impacto desse trabalho sobre quem se dispõe a ouvi lo com atenção não se limita à experiência sonora, ele se infiltra no dia a dia, surgindo em lembranças aleatórias, em instantes de calma ou de turbulência, funcionando como um reflexo de estados de espírito que nem sempre conseguimos nomear, That Lasts Forever não é apenas um título, é uma promessa que o próprio álbum cumpre, um testemunho de que há músicas que resistem ao tempo porque carregam em si algo que o tempo não consegue corroer, algo que, mesmo em silêncio, continua a respirar dentro de cada lembrança que ele desperta, como um sopro discreto que mantém acesa a chama de uma emoção que não se apaga, esse respirar é o que mantém o álbum vivo mesmo quando não está sendo tocado, é o que faz com que, dias ou semanas depois, um fragmento de melodia ou uma sensação difusa volte à mente sem aviso, trazendo consigo a mesma atmosfera densa e reconfortante que marcou a primeira escuta

Esse fenômeno não é fruto do acaso, mas do cuidado meticuloso que Sadness e Abriction colocam em cada detalhe, há um entendimento profundo de que a música não precisa apenas preencher o espaço sonoro, ela precisa criar um espaço novo dentro do ouvinte, um lugar seguro onde se possa revisitar dores antigas, saudades e momentos de quietude sem que haja a urgência de superá los, aqui a tristeza não é um obstáculo, mas um terreno fértil para reflexão e beleza, cada acorde e cada pausa parecem desenhados para sustentar essa experiência

Com o tempo, percebe se que That Lasts Forever também funciona como um diálogo silencioso entre passado e presente, entre aquilo que se perdeu e aquilo que ainda pulsa, as faixas não se contentam em narrar sentimentos, elas os recriam, colocando o ouvinte no centro de um cenário sonoro que se molda conforme a sua própria história pessoal, é por isso que o álbum se adapta a diferentes momentos da vida, assumindo novas cores e significados a cada reencontro

Assim, o que permanece não é apenas a música gravada, mas a possibilidade infinita de que ela renasça em cada escuta, como se fosse a primeira vez, esse é o verdadeiro sentido de durar para sempre, não ser imutável, mas estar sempre pronto para se transformar junto com quem o acolhe, e nesse fluxo contínuo Sadness e Abriction constroem não apenas um registro fonográfico, mas uma obra viva, feita para existir tanto no som quanto no silêncio, tanto no instante quanto na memória, onde cada fragmento sonoro encontra um abrigo próprio, protegido das erosões do tempo e das distrações do cotidiano, é ali que That Lasts Forever se fortalece, porque a lembrança não o congela, mas o reinventa, recriando as cores, as texturas e até mesmo os sentimentos que ele provocou, às vezes com uma fidelidade quase fotográfica, outras vezes com a liberdade difusa dos sonhos, a memória trata o álbum como se fosse um objeto de afeto, guardando o essencial e permitindo que o restante se transforme, como a luz que muda de intensidade ao atravessar uma cortina

Essa presença constante na memória é o que torna o encontro entre Sadness e Abriction tão especial, pois não é uma música que se consome, é uma música que se carrega, que se leva para longe e que se deixa amadurecer junto com quem a escutou, há álbuns que brilham no instante e depois se apagam, mas este opta por outro caminho, preferindo se infiltrar devagar, quase despercebido, até se tornar parte da narrativa íntima de cada ouvinte

E talvez seja por isso que, mesmo quando o tempo avança e outras canções chegam para disputar espaço, That Lasts Forever continua ali, como um perfume reconhecível no ar, como uma lembrança que não pede licença para surgir, trazendo de volta aquela mistura precisa de melancolia e serenidade, e é nesse retorno que se entende que a obra não está apenas guardada na memória, ela vive nela, pulsando em silêncio, à espera de um novo instante para se revelar por inteiro, como se cada retorno fosse também uma despedida lenta, um reencontro que já nasce com o peso de saber que vai terminar, a música se derrama como um último raio de luz antes que a noite feche as cortinas, e o que fica é um frio silencioso, denso, que se infiltra pelas frestas da alma, é nesse ponto que o álbum deixa de ser apenas som e se torna ausência, como se cada acorde fosse a lembrança de algo que não volta, como se cada pausa fosse um aviso de que o vazio é inevitável, no fim That Lasts Forever não é apenas sobre o que dura, mas sobre a certeza cruel de que mesmo o que permanece, um dia, dentro de nós, se apaga devagar, até não restar nada além do eco distante de uma melodia que já não conseguimos ouvir, mas que ainda pesa, pesada como o silêncio que vem depois do último suspiro.


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quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Amaro Freitas - O Piano Como Rito, Raiz e Revolução

 


A trajetória de Amaro Freitas é um mergulho cada vez mais profundo nas camadas da identidade brasileira e afro-diaspórica por meio do piano. Desde o primeiro registro, Sangue Negro (2016), já era possível perceber que ali nascia um artista movido por inquietação e coragem estética. O disco impressionava não apenas pela execução técnica, mas pelo uso inusitado da linguagem jazzística para traduzir os ritmos do Recife como o frevo, o maracatu e o coco em algo instintivamente moderno e ancestral ao mesmo tempo.

Com Rasif (2018), Amaro atravessou a ponte do Atlântico e se fez notar com ainda mais força na cena europeia. O piano virou corpo-percussão, canal de comunicação entre o nordeste e o mundo, e o trio  com Jean Elton e Hugo Medeiros encontrou um equilíbrio raro entre improvisação livre e organização rítmica. O disco carrega uma pulsação espiritual que, mesmo sem palavras, conta histórias sobre pertencimento e resistência. Amaro não toca apenas teclas; ele toca memórias enraizadas em tambores e silêncios coletivos.

Já em Sankofa (2021), o pianista crava com mais firmeza seu nome entre os grandes. O álbum soa como uma busca consciente por raízes. O símbolo adinkra que dá nome à obra representa a necessidade de revisitar o passado para caminhar para frente e é exatamente isso que a música de Amaro faz: ela escava, resgata, reinventa. As composições têm estruturas menos convencionais, mais contemplativas, com momentos de pura fratura harmônica e instantes de meditação rítmica. Sankofa é um ritual, não apenas um álbum.

Mas é em Y’Y (2024) que ele parece alcançar um novo plano de linguagem sonora. Gravado após
experiências intensas na floresta amazônica e contato com povos originários como os Sateré Mawé, esse trabalho abandona estruturas formais para criar paisagens sensoriais em que o piano se dissolve em folhas, vapores e espíritos. Instrumentos indígenas, manipulações acústicas e silêncios premeditados formam um disco que soa mais como um rito do que como uma coleção de faixas. Há um caráter cósmico, quase místico em faixas como Mapinguari ou Encantados, que parecem convocar presenças invisíveis, tornando o ato de ouvir um tipo de transe silencioso. Em Y’Y, Amaro Freitas abandona qualquer desejo de agradar o ouvinte para, em vez disso, desafiar sua escuta. O piano vira rio, sussurro, tempestade, abrindo espaço para algo muito maior do que técnica: ancestralidade. É como se cada nota carregasse um chamado não para o entretenimento, mas para o despertar.

Essa profundidade musical só é compreensível à luz de sua história de vida. Nascido em 1991, no bairro de Afogados, periferia de Recife, Amaro cresceu entre os bancos da igreja evangélica e a necessidade urgente de sobreviver. Começou a tocar teclado aos 12 anos, em cultos, onde aprendeu a lidar com a improvisação e a emoção. Seu talento logo chamou atenção, mas o caminho nunca foi fácil: chegou a estudar no Conservatório Pernambucano de Música, mas precisou interromper o curso porque não tinha dinheiro nem para a passagem.

Entre turnos exaustivos em call centers e noites tocando em bares do Recife Antigo, Amaro formou seu primeiro trio. Ele não teve mestres formais de jazz: aprendeu escutando CDs usados e vídeos, estudando as obras de Chick Corea, Thelonious Monk, Herbie Hancock, mas também Hermeto Pascoal, Moacir Santos e Jackson do Pandeiro. A escassez se converteu em linguagem. A ausência de escola virou escola própria.

Amaro nunca quis soar como os outros. Desde cedo entendeu que seu lugar no jazz não seria como reprodutor de fórmulas, mas como inventor de uma ponte entre o Recife profundo, negro, ritmado, e o jazz universal. Essa postura o levou a palcos internacionais como Montreux, Ronnie Scott’s, Blue Note Tokyo sem nunca abandonar sua radicalidade estética e política. Seus discos não são só álbuns: são declarações. E sua música não é apenas som, mas uma invocação daquilo que foi calado por séculos: vozes indígenas, pretas, periféricas, que não pedem permissão para existir.

Hoje, Amaro Freitas é mais do que um pianista. É um contador de histórias sem palavras. Um arqueólogo da alma. Um dos nomes mais importantes da música brasileira contemporânea. E mesmo com o mundo finalmente ouvindo o que ele tem a dizer o caminho de volta às origens, às margens dos rios, aos tambores que ecoam na noite de Pernambuco, aos sonhos de menino que apertava teclas com dedos suados de fé ainda pulsa como bússola. Porque para Amaro, tocar é mais do que arte. É sobrevivência. É oferenda. E o que virá depois de Y’Y, talvez nem precise mais de piano. Talvez venha do silêncio entre as notas, da pausa que precede o sopro, do ranger das folhas sob os pés de alguém que atravessa a floresta com os ouvidos mais atentos do que a boca. Amaro parece estar cada vez menos interessado na forma e mais ligado à essência o som como ritual, como memória viva, como território. Se Sangue Negro era a afirmação de um talento técnico e visceral, Y’Y é quase um abandono da técnica em favor da escuta do invisível.

E isso não é pouca coisa para alguém que cresceu tendo que gritar para ser ouvido. O menino de Afogados, que pegava ônibus lotado com um teclado no colo, que via no jazz algo tão distante quanto o próprio conforto, hoje senta-se diante do piano com a autoridade de quem traduziu as batidas do coração nordestino em linguagem cósmica. Seu corpo se move como se incorporasse cada ritmo ancestral que pulsa no chão que pisa. Ele aprendeu a tocar ouvindo os sons do bairro, do mercado, do culto, da rua e agora devolve tudo isso transformado em arte que ressoa longe demais para ser medida por palcos ou prêmios.

Ainda assim, mesmo nas maiores salas da Europa ou nos festivais de prestígio, há algo em Amaro que parece não se render ao glamour do reconhecimento. Ele carrega no gesto a humildade de quem sabe que a música não lhe pertence que ela é algo que passa por ele, como vento, como água, como sopro de orixá. A cada novo trabalho, sua busca se torna mais espiritual, mais orgânica, mais arriscada. Não se trata mais de impressionar, mas de provocar. De deslocar. De curar.

E quando ele toca, há um intervalo entre as notas que parece abrir portais. Um espaço em que o tempo se dobra, e o passado, o presente e o que ainda virá convivem em harmonia tensa. É ali que mora sua revolução. Amaro não quer apenas nos mostrar que o Brasil é maior do que o que se escuta nas rádios ele quer nos lembrar que há um Brasil escondido dentro de cada um, feito de terra molhada, lamento antigo e esperança. Um Brasil que dança sem música e canta sem voz. Um Brasil que sobrevive mesmo quando tudo parece querer silenciá-lo. É esse Brasil que pulsa nas teclas de Amaro não o país dos discursos, mas o das encruzilhadas, dos terreiros, das ladeiras de Olinda ao som do agogô. É o Brasil que sente, que resiste, que inventa caminhos onde só havia escombros. O som de Amaro Freitas não é apenas nordestino, negro, indígena ou brasileiro. É o som do que foi recusado pelo sistema, mas se impôs pela beleza.

E isso se manifesta não só em sua discografia, mas em sua postura como artista. Ele recusa o lugar de “virtuose domesticado” que o mercado musical tantas vezes quer impor a músicos pretos. Prefere trilhar rotas laterais, mesmo que mais difíceis, onde possa manter controle estético, narrativo e político sobre sua obra. A escolha por selos independentes, os longos processos de pesquisa, a colaboração com artistas de diversas partes do mundo tudo isso faz parte de uma ética que vai além do palco. Amaro quer transformar escuta em consciência, e consciência em movimento.

Em seus shows, há algo quase litúrgico. Não é só performance é evocação. Ele chega ao piano em silêncio, se senta com reverência, fecha os olhos como quem pede licença. E então começa: uma melodia quebrada, um acorde torto, uma explosão súbita. O público, desconcertado, cala. Amaro, em transe, faz do piano tambor, lamento, maré. E ali, naquele instante, algo acontece. Não se sabe exatamente o quê. Mas é como se a sala se tornasse templo. Como se o som não viesse dele, mas de um lugar mais fundo talvez um riacho da infância, talvez uma memória coletiva enterrada sob asfalto, talvez um segredo que só o silêncio depois da última nota pode revelar. Porque em Amaro, a música não termina ela paira. Ela volta. Ela se esconde atrás da próxima curva da estrada. E mesmo que se tente explicar ou escrever sobre ela, falta sempre algo. Um detalhe. Um grito. Um sussurro. Algo que ainda pulsa, e que insiste em permanecer não dito. Como se a própria incompletude fosse parte da linguagem de Amaro Freitas. Ele parece saber, intuitivamente, que há verdades que não cabem na partitura, que a música, quando é realmente viva, nunca se resolve ela se fragmenta, se desloca, se espalha. E é nesse movimento constante que ele encontra sua liberdade.

Essa liberdade, no entanto, não veio sem feridas. Amaro carrega no corpo e na memória as cicatrizes de um país que ainda reluta em reconhecer o valor da arte negra, periférica, espiritual. Quantas portas se fecharam antes da primeira turnê internacional? Quantas salas negaram espaço para o menino de teclado no colo? Quantas vezes o talento foi confundido com insolência, e a ousadia com desvio? Ele não esquece. E é por isso que cada disco é também um manifesto. Uma forma de devolver à música o que ela lhe deu dignidade, voz, futuro.

Mas não é só a dor que se escuta em seus álbuns. Há também festa, riso, infância, sol. Há os domingos de feijoada com som alto, os batuques de rua, o cheiro de chuva em telha quente. Há uma alegria que não ignora a violência, mas que sobrevive a ela. E isso talvez seja o mais revolucionário em sua obra: a capacidade de fazer beleza mesmo quando o mundo parece ruir. De tocar como quem reza. De compor como quem planta. De tocar o piano como se fosse um barco ancestral navegando por rios esquecidos, atravessando noites sem estrela em busca de um amanhã que ainda não tem nome. E esse barco segue, sem pressa, conduzido por mãos firmes que sabem que a jornada importa tanto quanto o destino. Mãos que não têm medo do abismo, porque já tocaram o fundo. Mãos que improvisam não por acaso, mas por sabedoria. Porque sabem que o improviso é também um ato de fé e a fé, para quem veio de onde Amaro veio, não é dogma, é sobrevivência. É pulso. É som. É silêncio que escuta antes de falar, que sente antes de saber, que resiste mesmo quando ninguém mais ouve. Porque Amaro Freitas não toca para caber no mundo ele toca para recriá-lo. A cada nota, ele abre frestas por onde o invisível escapa. A cada pausa, ele nos convida a voltar para dentro. Sua música é raiz que se move, é vento que dança, é tambor que sonha.

E talvez esse seja o segredo que ele carrega: Amaro não quer ser lido como apenas um pianista. Ele é um canal. Um tradutor do indizível. Um homem que faz do som um território sagrado, onde se pode chorar sem vergonha, dançar sem coreografia, e lembrar que existir como ele existe é já por si uma forma de revolução.

O que há em sua obra não se aprende em conservatório, nem se ensina em método. É chama que vem de dentro, fogo que arde quieto, mas que queima tudo o que é raso. Amaro Freitas não está apenas construindo uma discografia está plantando um legado. Um som que, quando tudo mais se calar, ainda será ouvido pelas pedras, pelos rios, pelas raízes. Porque quem ouve de verdade o que ele faz, jamais volta o mesmo. E é por isso que sua música... permanece.


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quinta-feira, 24 de julho de 2025

Entrevista com a banda Labyrinthus Stellarum

 


Entre Ruínas Cósmicas e Realidades Partidas: Uma Viagem com o Labyrinthus Stellarum  


Formada em Odessa, na Ucrânia, em 2021, a banda Labyrinthus Stellarum emergiu como uma entidade sonora que ultrapassa os limites do black metal atmosférico, fundindo paisagens eletrônicas densas com conceitos de ficção científica especulativa. Liderada pelos irmãos Oleksandr Andronati (vocais, sintetizadores, letras, produção) e Mykhailo Andronati (guitarras, co-produção, mixagem e masterização), a banda também contou com Dmytro Bokhan na programação de bateria do álbum Vortex of the Worlds (2024) e com Oleksandr Kostetskyi, guitarrista original até 2023.

Em apenas poucos anos, o Labyrinthus Stellarum construiu uma discografia que convida o ouvinte a uma jornada por realidades paralelas e ruínas cósmicas. O álbum de estreia Tales of the Void (2023) apresentou um universo sonoro desolado e grandioso, onde o niilismo existencial encontra a poeira de mundos esquecidos. Com Vortex of the Worlds (2024), a banda aprofundou seu alcance filosófico e ampliou sua paleta sonora, desafiando ainda mais as convenções do gênero.

No dia 2 de maio de 2025, eles lançaram seu terceiro trabalho, Rift in Reality considerado até agora o mais experimental e diverso da carreira. Combinando faixas épicas e melódicas com momentos de maior agressividade, o álbum marca uma nova fase da banda, inclusive com o uso mais marcante de vocais limpos. A capa, assinada por Mark Cooper, artista conhecido por colaborações com Rings of Saturn e Brand of Sacrifice, reflete visualmente a complexidade do universo sonoro criado pelo grupo.

Nesta entrevista, mergulharemos nas origens, na visão artística e no processo criativo do Labyrinthus Stellarum  uma banda que não apenas faz música, mas constrói mundos.


1. Labyrinthus Stellarum surgiu em meio a uma já sólida cena de black metal ucraniano. Como
vocês descreveriam a formação da banda e o que motivou a criação de um projeto com um conceito tão cósmico e atmosférico?


A formação da banda foi bastante espontânea e, na verdade, não tinha a intenção de gerar novas músicas. Oleksandr Kostetsky apareceu um dia e sugeriu fazermos um álbum no estilo do Lustre. Quanto ao estilo, sempre fomos extremamente ligados à atmosfera do espaço por causa dos filmes, livros e jogos da nossa infância.

2. Desde o início, vocês demonstraram uma forte identidade conceitual e estética. Como é o processo criativo de vocês, desde a composição até a construção das narrativas que sustentam cada obra?


Nosso processo criativo é bastante sequencial. Primeiro, a música começa com um esboço que contém as melodias e riffs mais importantes. Depois disso, criamos as melodias vocais e as letras. Em seguida, ajustamos a música para que funcione melhor com os novos vocais.
Do ponto de vista técnico, o processo é complicado, já que Misha Andronati está na Alemanha e Alex Andronati na Ucrânia. Por isso, nos reunimos via Discord para compor juntos.

3. Tales of the Void apresentou o universo sonoro de vocês com grande intensidade. Quais foram os maiores desafios e descobertas durante a criação do álbum de estreia?


A criação do álbum Tales of the Void foi, de certa forma, como andar no escuro. Nosso objetivo era lançar música, riscar esse desejo da lista. Não esperávamos que o álbum fosse tão bem recebido.
Apesar disso, trabalhamos duro para que ele fosse coeso, com todas as faixas fluindo bem entre si.
O maior desafio foi, sem dúvida, a mixagem, pois não tínhamos muita experiência na época e isso exigiu bastante trabalho.

4. Vortex of the Worlds revelou uma evolução notável na complexidade das faixas e no uso de elementos eletrônicos. Quais novas ideias ou influências moldaram esse segundo trabalho?
Enquanto tivemos inspirações claras para o primeiro álbum, não tivemos nenhuma para Vortex of the Worlds e para o terceiro disco. Queríamos criar algo novo, mais pesado, mais dinâmico e mais eletrônico, mas ainda assim dentro do nosso conceito original.

5. Com o lançamento de Rift in Reality, considerado o trabalho mais experimental e diverso até agora, como foi o processo de composição e gravação desse álbum?
Não houve muita diferença entre o processo do segundo e do terceiro álbuns. Com Rift in Reality, queríamos tornar nosso som ainda mais pesado.
Fomos um pouco inspirados por Lorna Shore, mas sem mudar nossa essência: mais peso, mais diversidade, mais melodia e mais elementos eletrônicos.

6. As letras de vocês são profundamente filosóficas e abstratas, abordando temas como inteligência artificial, decadência planetária e transcendência. Qual é o papel da literatura ou da ciência (especialmente a cosmologia) na construção dessas letras?
No início, nossas letras não abordavam nada específico. Mas a partir do segundo álbum, decidimos tornar cada música parte de uma narrativa contínua dentro do nosso universo.
A ficção científica sempre nos fascinou, desde a infância com livros, filmes e jogos influenciaram nosso amor pelo espaço.
Queríamos escrever letras que não fossem banais, fugindo de temas como amor ou política, mas que ainda assim fossem envolventes.

7. Vocês usam sintetizadores, programações e ambientações espaciais como elementos essenciais.
Como equilibram isso com o peso e a agressividade típicos do black metal?
Isso não é tão difícil quanto parece. Os elementos clássicos do black metal e os riffs não entram em conflito com os sintetizadores eles se complementam.
Nossa música é centrada nos sintetizadores, então os riffs acabam sendo mais espaçados do que no black metal tradicional.

8. O black metal costuma explorar temas religiosos, históricos ou ocultistas. O que levou vocês a direcionar o foco para a ficção científica e o niilismo cósmico?
Não somos religiosos nem antirreligiosos, então nunca pensamos em escrever sobre isso. O mesmo vale para o ocultismo.
Quanto à história, não somos especialistas e achamos mais interessante desenvolver nossa própria mitologia sci-fi.

9. Como a banda tem sido recebida na Ucrânia e na Europa em geral? Vocês sentem que o público se conecta com essa proposta futurista e atmosférica?
Curiosamente, nossa banda é mais popular no Ocidente do que na Ucrânia, provavelmente por causa do idioma em que cantamos.
Mas na Ucrânia também temos um público fiel.
Muitos comentários e resenhas destacam a atmosfera espacial como o principal atrativo: o vazio, o incompreensível, a grandiosidade do cosmos.

10. As apresentações ao vivo de vocês são raras, mas imersivas. Como vocês imaginam a experiência ao vivo dentro desse conceito galáctico? Há planos para novos shows ou turnês?


No momento, ainda não temos uma estética de palco totalmente desenvolvida é algo que precisamos trabalhar para tornar os shows mais impactantes.
Vamos tocar no festival Faine Misto Fest em agosto de 2025, além de outro show em julho. Se possível, faremos uma turnê pela Ucrânia no outono.
Nosso sonho é fazer uma turnê pela Europa, mas a guerra tem impedido isso. Assim que for possível, iremos realizar.

11. Quais bandas ou projetos (dentro ou fora do metal) vocês consideram influências fundamentais para o som e a estética do Labyrinthus Stellarum?


Toda música que ouvimos é uma fonte de inspiração consciente ou inconsciente.
Nos inspiramos muito em artistas que misturam metal com eletrônica, como:

  • Celldweller, Bring Me The Horizon, Rings of Saturn, Starset

No black metal, destacamos:

  • Lustre, Eldamar, Mesarthim, Blut aus Nord,Windveill

Fora do metal:

  • Jean Michel Jarre, Carpenter Brut, Ben Prunty (com destaque para a trilha sonora de FTL)

12. O aspecto visual do trabalho de vocês é marcante. Já consideraram expandir esse universo
para outros formatos como romances gráficos, filmes, jogos ou experiências audiovisuais?


Sim, no futuro gostaríamos muito de criar um livro ou um jogo baseado na nossa história.
São planos a longo prazo, pois no momento não temos os recursos necessários, mas estamos trabalhando no desenvolvimento do nosso universo sci-fi.

13. Que tipo de legado vocês esperam deixar com o Labyrinthus Stellarum? Existe um propósito maior por trás dessa jornada artística pelos abismos do espaço e da mente?


Nosso desejo é fazer o maior número possível de álbuns incríveis, proporcionar emoções e momentos únicos às pessoas.
Mas, acima de tudo, fazemos isso porque nós simplesmente amamos pra caralho fazer música!


País: Ucrânia
Gênero: Black Metal Atmosférico / Cósmico / Experimental
Atividade: Desde 2021
Último Lançamento: Rift in Reality (2025)
Gravadoras: Archivist Records (CD), Northern Silence Productions (Vinil)

Oleksandr (Alex) Andronati – vocais, letras, compositor, mixagem, produção
Mykhailo (Misha) Andronati – guitarras, co-composição, co-produção, mixagem, masterização
Dmytro Bokhan – programação de bateria (Vortex of the Worlds)
Oleksandr Kostetskyi – guitarrista original (2021–2023)

Discografia
Tales of the Void (2023)
Vortex of the Worlds (2024)
Rift in Reality (2025)
Matéria feita por Reinaldo Hilário







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